Por que o uso de padrões obscuros atrapalha não apenas os seus usuários – mas também o seu negócio – e o que os dados tem a ver com isso.
Frequentemente, muitas empresas confiam em recursos de design que enganam, coagem ou manipulam usuários na internet. Sejam pedidos para sincronizar listas de contatos, para permitir o rastreamento de cookies (enquanto ocultam opções que permitiram sua recusa), ou para convencer o usuário a comprar algo classificando o produto como disponível por tempo limitado, quando esse não é realmente o caso. Ou, talvez, o simples fato de dificultar o descadastramento em uma lista de e-mail ou newsletter.
Todos esses são exemplos do que veio a ser conhecido como “padrões obscuros”, ou “dark patterns” – designs de interface de usuário que beneficiam as empresas às custas do usuário, e em geral apelam para práticas obscuras ou, para dizer o mínimo, nada transparentes.
Os padrões obscuros se tornaram predominantes?
Para quem está na internet todo dia, é fácil perceber que o uso desse tipo de padrão de design vem se tornando cada vez mais frequente. É claro que empresas enganosas ou fraudulentas foram pioneiras dessa prática do uso de Dark Patterns, mas, com o tempo, ele vem se tornando ainda mais popular entre outros tipos de negócios. Mesmo grandes plataformas e empresas de consumo em geral vêm confiando em padrões obscuros de maneira rotineira, seja dificultando o cancelamento ou utilizando um cronômetro de contagem regressiva para fazer parecer que uma oportunidade de compra está prestes a desaparecer. Até grandes players do mercado fazem uso da prática atualmente.
No caso de e-commerces ou marketplaces, essas empresas tentam fazer com que você sinta que está olhando para um recurso escasso, quando na verdade não está. Até pouco tempo, esse tipo de pressão de vendas on-line não era comum, mas de repente aparece em praticamente todos os sites que acessamos. E em muitos casos, essas alegações são completamente fictícias: ou seja, não estão conectadas a nada. Simplesmente não são verdadeiras.
É claro, quanto maior e mais regulamentada uma empresa é, maiores as chances de esses dados ou números serem realmente conectados a algum tipo de infraestrutura interna. Talvez a loja grande e conhecida que você compra e diz que “restam apenas 5 unidades” de um produto realmente tire essa informação de algum lugar. Mas, na maioria das vezes, são apenas táticas de vendas de alta pressão, ilegítimas, antiéticas e enganosas.
Quem é mais afetado pelos padrões obscuros?
Outro ponto importante é que os Dark Patterns tentam se passar por legítimos, quando na verdade estão se aproveitando das fraquezas humanas. Assim, eles contam com a incapacidade de uma pessoa de lidar com informações complicadas em uma página da internet, fazendo-as tomar a ação desejada – seja assinar ou comprar algo, seja consentir com uma política de privacidade.
Porém, você pode estar pensando que, hoje em dia, é muito mais fácil reconhecer esse tipo de tática, uma vez que elas são utilizadas há algum tempo. Dessa forma, um nativo digital ou alguém que tenha um bom conhecimento da realidade da internet não seria enganado. O problema é que esses Dark Patterns atingem, em geral, uma parcela mais vulnerável dos usuários, desde pessoas mais velhas e menos proficientes digitalmente, até pessoas pouco alfabetizadas ou com dificuldade de entender o idioma presente ali. Isso significa que os padrões obscuros afetam mais certos grupos de pessoas do que outros. Isso pode não ser um problema para você, mas com certeza afeta o dia a dia de alguém na internet.
Como diferenciar os Dark Patterns prejudiciais dos “inofensivos”?
Quando falamos em padrões obscuros, é importante traçar a linha entre padrões realmente prejudiciais e aqueles mais inócuos, ou seja, que não estão ali com uma intenção realmente maliciosa. E essa não é uma distinção simples de se fazer, porque o contexto importa muito.
Nos casos em que há interesses financeiros em jogo, por exemplo, existe a possibilidade de regulamentação, com regras e orientações sobre o que a empresa pode ou não pode fazer. Alguns exemplos de atitudes proibidas seriam: renovação automática de assinaturas; colocar compras no carrinho do usuário sem autorização; inscrição indesejada em assinaturas ou mensalidades de qualquer serviço; etc. E esses são apenas alguns exemplos de Dark Patterns que podem ser controlados atualmente.
Assim, para que sua empresa possa regular padrões obscuros aceitáveis ou não, o ideal é convocar um especialista na área e, em seguida, fazer a distinção do que é uma persuasão permissível e do que cruza a linha do aceitável, tornando-se nada menos do que práticas de coerção e manipulação.
Uma prática interessante em relação aos padrões obscuros, e que serviu para jogar luz à discussão, foi realizada pelo Digital Civil Society Lab, em Stanford. Trata-se da Dark Patterns Tip Line, plataforma que permite às pessoas relatar padrões obscuros que encontram online. O recurso é público e gratuito, e serve não apenas para educar o público sobre esses padrões, mas também para expandir o alcance da coleta de dados da Tip Line, a fim de detectar mais tipos de padrões obscuros, particularmente aqueles que podem estar prejudicando comunidades vulneráveis ou populações. A ideia, mais para frente, é também compartilhar os dados coletados com pesquisadores e formuladores de políticas, que possam atuar contra o uso nocivo de Dark Patterns.
O que Dark Patterns tem a ver com dados?
Muitas interfaces são alimentadas por inteligência artificial. Um exemplo é o YouTube e suas solicitações para assinar os planos premium. Os anúncios saltam na tela com oferta de assinatura, cada vez de uma maneira diferente, com diferentes possibilidades de responder sim ou não, alternando os botões, textos, etc.
Isso tudo é alimentado por inteligência artificial e aprendizado de máquina. O objetivo do algoritmo é otimizar o ‘padrão sombrio’ para que você e outras milhões de se inscrevam.
A lógica funciona mais ou menos assim: o objetivo é fazer com que o usuário se inscreva. Então:
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Usuário avançado regular – abre o youtube uma vez por dia e passa 20 minutos assistindo a vídeos;
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Consome 8 anúncios por sessão, mas pula cada anúncio antes que o anúncio termine;
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Fecha o YouTube durante o anúncio – salta, mas retorna em 10 minutos;
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Solicitar takeover em tela cheia pedindo para se inscrever e remover anúncios;
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Requisitou o “Design A” das 18 opções de design possíveis; usuários que descartam o “Design A” geralmente respondem ao “Design C”, então da próxima vez será executado o “Design C”;
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Aumente a reprodução de anúncios diretamente após dispensar a solicitação para remover anúncios;
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Continue até que o usuário se cadastre.
Essa lógica alimenta o algoritmo sucessivamente. E isso pode ficar ainda mais forte. Vejamos:
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Use os dados coletados do usuário A e compare-os com outros usuários que converteram de maneira semelhante;
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Compare este novo grupo A de pessoas com outros grupos para encontrar o ‘fruto mais barato’, por exemplo, o grupo que converte com o mínimo de atrito possível, acontece que o grupo A é o fruto mais barato;
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Crie um novo grupo de pessoas que se pareçam e se comportem como o grupo A — essas pessoas são conhecidas no setor como públicos semelhantes;
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Pesquise usuários do Youtube que ainda não se converteram e se pareçam com usuários do grupo A que se converteram;
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Use as mesmas técnicas em todos os usuários do Youtube que se parecem com o grupo A para convertê-los;
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Melhore o algoritmo à medida que você aprende o que funciona melhor para esse grupo.
Portanto, este é um exemplo de padrão sombrio alimentado por aprendizado de máquina otimizado para ‘ganhar dinheiro’. O objetivo dos algoritmos de anúncios é fazer com que que o usuário assista ao maior número possível de anúncios e combine-os com os anúncios mais prováveis em que ele clicará.
No que diz respeito a dark patterns associados a dados, o cuidado maior deve ser na parametrização de modelos. Geralmente, eles costumam ser pensados para otimizar a conversão de usuários em clientes, como no exemplo acima. Logo, podemos perceber nos primeiros testes que quanto mais “sujo” for em termos de UX e transparência com o usuário, maior tende a ser essa conversão, e o modelo vai implantando isso de forma automática. Por isso é muito importante que esses modelos estejam parametrizados sim, para otimizar conversões, mas que não seja a qualquer custo. Que levem em consideração boas práticas de UX, ética e transparência.
5 exemplos de Dark Patterns para ficar de olho
Desvio intencional
Nesse exemplo de padrão obscuro, um usuário escolhe a opção mais cara disponível em uma compra. Isso acontece porque a alternativa mais barata aparece de uma maneira sutil, e a opção oposta ocupa uma posição de destaque na página. Com isso, a empresa provoca um desvio intencional ao seu cliente. Para uma prática ética, o ideal é que todas as opções estejam visíveis em sua interface, assim como as vantagens de cada uma delas.
Cancelamento de inscrição invisível
Muitas marcas enviam e-mails automáticos com ofertas ou notícias para seus usuários. Bem, o ideal (e o correto) é que o próprio usuário tenha o direito de escolher se deseja ou não receber essas mensagens. Portanto, a opção de cancelamento deve estar presente e bem visível em todos eles. Você pode aproveitar esse momento de cancelamento para coletar feedbacks dos usuários.
Dificuldades de cancelamento
Este é um exemplo de Dark Pattern muito comum em serviços de assinatura. Existem empresas que oferecem 7 dias gratuitos de assinatura, por exemplo, mas traz dificuldades para o usuário cancelar antes deste prazo. E então acaba gerando a cobrança da assinatura mensal. Outra prática de Dark Pattern é quando o botão de desistir aparece “timidamente” na interface, enquanto o de continuar com a assinatura aparece em destaque, induzindo que o cliente clique “sem querer” no botão errado. Nesse caso, a boa prática é uma só: dar ao cliente o poder de cancelar o produto com a facilidade que ele teria para contratá-lo.
Alterações no carrinho de compras
Esta é uma péssima prática de padrão obscuro, e consiste em adicionar um item ao carrinho de compras do usuário sem o seu consentimento. Ou fazer a alteração do valor inicial do produto sem avisar seu cliente. Para resolver esse problema, a Amazon criou uma solução amigável que sinaliza ao cliente, na página inicial do site, quando os produtos de seu carrinho sofrem algum tipo de alteração.
Anúncios disfarçados
Se você decidir colocar anúncios, deixe isso claro para seus clientes. Hoje em dia, muitos sites e aplicativos fazem com que os anúncios fiquem disfarçados na página, como se fizessem parte do conteúdo regular ou da navegação do usuário. Isso aumenta a frequência com que os usuários cliquem nos anúncios, mas muitas vezes esse movimento é involuntário. Botões fake de “download” ou “baixe aqui este conteúdo”, que na verdade são anúncios, são um exemplo dessa prática.
Por fim, é possível perceber por tudo o que foi apontado até aqui que os Dark Patterns não são boas práticas a serem utilizadas em seu site ou plataforma, e que geralmente acabam sendo prejudiciais ao seu usuário, além de antiéticas e maliciosas. Sempre existem alternativas a esse tipo de padrão, e a criatividade do designer está aí para isso. Tudo bem encontrar maneiras inovadoras de chamar a atenção do usuário – mas ele sempre deve estar consciente de suas ações dentro de sua plataforma. Isso se chama transparência, e certamente levará seu negócio muito mais longe.