Estudo investiga se hábitos de consumo conseguem prever a que grupos sociais pertencemos e se estamos ficando cada vez mais isolados em “bolhas” culturais.
Qual é o assunto da pesquisa?
O estudo parte da percepção de que a distância cultural entre grupos sociais está cada vez maior, especialmente em razão da crescente polarização política. Faz parte do senso comum imaginar que pessoas que usam certas marcas de roupa têm determinado poder aquisitivo, indivíduos que consomem tal tipo de entretenimento votam em certo candidato etc. Porém, será que nossos hábitos podem de fato prever quem somos? E mais do que isso, será que estamos ficando cada vez mais isolados em nossas “bolhas” culturais?
Pesquisadores da Universidade de Chicago investigaram essas questões. Embora o estudo tenha sido realizado nos EUA, é possível relacionar os resultados alcançados ao Brasil e, principalmente, refletir sobre o poder preditivo dos dados – uma das bases para quem trabalha com Data Science.
Qual foi o método utilizado?
Os pesquisadores mediram a extensão da distância cultural entre grupos sociais ao longo do tempo. Eles dividiram esses grupos sociais segundo renda, gênero, nível educacional, raça e ideologia política e investigaram se era possível prever o pertencimento a esses grupos segundo hábitos de consumo, utilização de mídia, crenças e gasto de tempo.
Foram utilizados algoritmos de machine learning para detectar padrões nos seguintes bancos de dados, com respostas de questionários aplicados ao longo de décadas: The American Heritage Time Use Study (pesquisa realizada com 669 a 10.210 entrevistados a respeito de como gastaram seu tempo com sono, trabalho e entretenimento), The General Social Survey (entre 1.093 e 3.735 pesquisados sobre suas crenças a respeito de assuntos sociais) e Mediamark Research Intelligence (entre 15.352 e 22.033 adultos consultados sobre hábitos de consumo e entretenimento).
As predições foram realizadas com três abordagens estatísticas diferentes: rede elástica, árvore de regressão e floresta aleatória.
Resultados
É interessante observar as mudanças de poder preditivo ao longo dos anos. Em 2016, o hábito de consumo que melhor prevê que uma pessoa é rica é ter realizado uma viagem doméstica. Em 1992, o hábito mais representativo era ter uma máquina de lavar louças. Outros resultados podem ser conferidos na tabela a seguir.
O estudo apresenta diversos outros hábitos capazes de prever o pertencimento a determinados grupos sociais. Por exemplo, em todos os anos o consumo de álcool foi um bom preditor para a ideologia política – liberais tendem a beber mais do que conservadores. Outros padrões de consumo podem ser vistos na tabela a seguir.
É interessante também observar as diferenças culturais em relação à utilização de mídia e as crenças que melhor predisseram a ideologia política. Por exemplo, assistir ao filme Juno ou à série Sex and the City é um bom preditor de que o espectador é um liberal. Por outro lado, quem assiste a The O’Reilly Factor tem maior chance de ser conservador.
Curiosamente, o estudo não foi capaz de detectar um crescimento das distâncias culturais entre todos os grupos sociais, à exceção dos grupos relacionados à ideologia política. Em outras palavras, homens e mulheres, ricos e pobres, brancos e negros, têm mantidos hábitos culturais semelhantes ao longo do tempo. Porém, as bolhas culturais entre conservadores e liberais têm se distanciado cada vez mais. Em 1976, a porcentagem de diferenças entre conservadores e liberais em assuntos como casamento, sexo e religião era 63%. Em 1996, ela subiu para 70,5% e, em 2016, alcança 77,8%. Como diz Emir Kamenica, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo:
Este não é um fenômeno novo. Nos últimos 40 anos, liberais e conservadores estão discordando mais a cada ano. Em todos os tópicos, liberais e conservadores estão discordando mais do que costumavam.
Segundo Marianne Bertrand, também responsável pela pesquisa, ter referências culturais comuns – como programas de televisão e filmes – é importante porque permite a conversação e a troca entre pessoas com pontos de vista diferentes. Se ficarmos cada vez mais isolados, dificultaremos cada vez mais nossa capacidade de diálogo.