BCI: o potencial dos dados cerebrais

 


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Dispositivos que conseguem ler a atividade cerebral e tomar decisões através de pensamentos e emoções já são realidade e devem se popularizar nos próximos anos.

 

Brain-Computer Interface (BCI) – Interface Cérebro-Computador –  é um sistema que identifica e traduz os padrões de atividade do cérebro humano em dados. Em outras palavras, isso significa a possibilidade de fazer o cérebro humano se comunicar diretamente com máquinas, programadas com outros tipos de dados.

A BCI começou a ser desenvolvida na década de 1970 nos EUA, principalmente para uso na medicina, e mais recentemente começou a ser combinada com Inteligência Artificial. Grandes empresas de tecnologia e startups estão buscando novas maneiras de usar esses dados e alguns estudiosos já vislumbram o que estão chamando de neurocapitalismo.

Já é possível encontrar dispositivos usados na cabeça para entender a intenção humana, usando técnicas de aprendizado de máquina para classificar os sinais elétricos produzidos pelo cérebro. Usando ferramentas específicas, torna-se possível transformar esses sinais biométricos em parâmetros para medir emoções e fornecer controle de dispositivos conectados. Neste ponto, o Deep Learning – subconjunto de ML – parece promissor para aprender com dados brutos de eletroencefalogramas e algoritmos de IA podem identificar padrões úteis nos dados cerebrais.

 

Os usos de BCI

Do ponto de vista da experiência do cliente, o uso de IA e BCI combinados poderia ser assim: você vê na rua alguém vestindo uma camiseta que você gosta. Mais tarde, ao navegar em seu aplicativo de mídia social favorito, você vê uma camiseta semelhante em um post patrocinado. A pessoa que veste esta camiseta pode se parecer com você, graças a algum conteúdo automatizado baseado nas chamadas em Generative Adversarial Networks (GANs).

Do ponto de vista de marketing é possível utilizar dados como ativação de memória, atenção ativa e reações emocionais, permitindo criar campanhas publicitárias mais personalizadas sobre os consumidores e mudando a forma como interagimos com os dispositivos do dia a dia.

Incrível? Perigoso? Impossível? Este cenário pode se tornar realidade em breve, de acordo com Alexandre Gonfalonieri, consultor de IA nos EUA:

“A interface cérebro-computador dará às empresas a capacidade de rastrear as jornadas, sentimentos e preferências dos clientes em um nível mais profundo e enviar anúncios e experiências feitos sob medida para aumentar as vendas direto para seus cérebros ou dispositivos vestíveis. Os BCIs também podem ser usados para otimizar anúncios na Internet e spots de TV. É seguro presumir que os dados das ondas cerebrais, em vez dos dados dos cookies, se tornarão a nova norma para publicidade futura baseada na web”.

Se uma empresa como o Google utilizar BCIs, eles poderiam detectar se você está prestando atenção aos anúncios em vídeo, como se sente a respeito deles e se são pessoalmente relevantes. Uma empresa como a Apple poderia desenvolver um BCI que selecionaria listas de reprodução de música de acordo com seu humor.

Por exemplo a Orbityl, de Vancouver no Canadá, desenvolveu um fone de ouvido onde é possível controlar o volume com um pensamento e que detecta o estado mental do usuário – se ele está acordado, dormindo e se está alerta. Essas aplicações funcionam sentindo a mudança da voltagem elétrica no cérebro ao longo do tempo.

Algumas empresas já utilizam BCIs para detectar mudanças nos estados emocionais em funcionários na linha de produção de fábricas, monitorando as ondas cerebrais do usuário e transmitindo os dados para computadores que usam o aprendizado de máquina para detectar picos emocionais, como depressão, ansiedade ou raiva e tomando ações a partir daí.

Outras empresas podem desenvolver aplicativos para coletar seus dados cerebrais usando um BCI feito por outra empresa (um pouco como o Google Play e aplicativos móveis de terceiros).


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Neurocapitalismo e novos modelos de negócios

Outras formas de BCI ajudarão a levar os benefícios dessa tecnologia para as massas em um formato que as pessoas usem regularmente. É por isso que os dados do cérebro estão se tornando extremamente estratégicos para as empresas.

Os próximos anos poderão ser impactados pela comercialização de dados cerebrais, bem como pelo desenvolvimento de dispositivos feitos para interagir com BCIs. Não é loucura imaginar que a interface cérebro-computador fará com que as pessoas negociem seus dados cerebrais por serviços de empresas privadas.

Ganfalonieri acredita que o principal modelo de negócio do BCI será o denominado “Pague com Dados”. Por exemplo, alguns aplicativos BCI, como seleção de música, podem ser oferecidos gratuitamente em troca de que os usuários concedam acesso total a todos os dados cerebrais relacionados a esse aplicativo. Esses dados podem então ser organizados e usados para fins de publicidade direcionada ou vendidos a terceiros. Ao melhorar a qualidade do serviço e a relevância dos anúncios, esse modelo de negócios ajudará a aumentar a retenção dos clientes nas plataformas.


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As empresas também podem aproveitar os dados do cérebro para melhorar as recomendações de produtos e aumentar o LTV cada cliente, principalmente os e-commerces.

 

Implicações éticas

Quando falamos tudo isso, a impressão que fica é que a interface brain-computer consegue adivinhar seus pensamentos, olhar dentro da sua cabeça e manifestar o que pensamos mesmo sem falarmos, escrevermos ou expressarmos isso de alguma forma. Não é exatamente isso, mas as definições de invasão de privacidade de dados pessoais serão redefinidas a partir da popularização das BCIs.

Nesse sentido, certamente as implicações éticas precisam ser amplamente discutidas nesse campo, não só pelas empresas e pela sociedade, mas pelos governos. Por mais que haja ordem expressa dos usuários, há fronteiras éticas que talvez não devessem ser rompidas de maneira nenhuma.

No contexto atual, já existem dois termos cunhados que começam a levantar discussões: BCI invasivo e BCI não-invasivo.

A BCI invasiva requer cirurgia para implantar eletrodos sob um couro cabeludo para comunicar sinais cerebrais, por exemplo. São utilizados para fins médicos, geralmente, e precisam de autorização expressa do paciente. Os BCIs não-invasivos são dispositivos externos que fazem a leitura da atividade cerebral, como um fone de ouvido, por exemplo.

São esses que estão sendo utilizados para fins de consumo.

 

Tem muita água para rolar debaixo dessa ponte ainda. Mas o fato é que, de um lado, as perspectivas de interface de máquinas com nossos cérebros abrem possibilidades inimagináveis fora da ficção científica. De outro, há questões éticas gigantescas a serem debatidas, que não podem de modo algum ficarem no segundo plano.