Os usuários devem ser remunerados pelo uso dos seus dados?

 


A discussão cresce em torno da privacidade e da utilização de dados dos usuários por parte das empresas. Já existe remuneração individual pelos dados e há prós e contras nestes modelos.

 

O Big Data é algo recente no mundo da tecnologia e dos negócios e ainda há muito o que se discutir sobre o assunto. Dois dos pontos mais polêmicos atualmente são a privacidade dos dados e o pagamento para os usuários ‘liberaram’ seus dados.

Os consumidores estão criando mais dados do que nunca, mas estão cada vez mais céticos sobre como eles serão usados, obrigando as empresas a encontrarem novas abordagens para marketing e vendas baseado em dados. Uma pesquisa da McKinsey ajuda a ilustrar o cenário. O uso de dados com uma proposta de valor claramente definida ajuda a garantir que os clientes continuem engajados. Cerca de 2/3 dos consumidores ouvidos pela consultoria ficariam felizes em compartilhar suas informações, ou considerariam compartilhá-los, se recebessem algo de valor em troca.

Claramente, as empresas que têm acesso aos dados dos clientes têm melhores condições de manter um relacionamento forte com eles. Mas precisam fazer por merecer esse acesso, porque cada vez mais dependerá da anuência dos consumidores. A LGPD que começou a atuar com mais vigor no Brasil em agosto de 2021 está garantindo isso, inclusive com aplicação de multas pesadas para quem cumprir as regras.

Internacionalmente, já se discute modelos de remuneração de usuários que aceitam compartilhar seus dados com as empresas. Por exemplo, com ofertas e descontos; 57% dos clientes ouvidos pela McKinsey expressaram entusiasmo em receber promoções em troca do uso de seus dados.

Também há evidências de que as pessoas preferem uma experiência personalizada e, portanto, podem estar dispostos a fornecer dados em troca. Isso é valioso, se bem trabalhado. As empresas observaram uma redução de até 60% na rotatividade de clientes como resultado de uma abordagem baseada em dados para a experiência do cliente.

 

Pagando por dados diretamente ao usuário

O Facebook e o Google são as duas empresas que mais ganham dinheiro com publicidade digital. Os anunciantes pagam essas empresas pela atenção, engajamento ou cliques dos usuários. O modelo de negócios é tal que utiliza dados do usuário para lançar previsões sobre seu comportamento com o objetivo de servir publicidade e conteúdo personalizados.

Conforme descrito por Shoshana Zuboff, da Universidade de Harvard, esta é a era do capitalismo de vigilância em que vivemos. Em seu livro de mesmo nome, ela disse que grandes empresas de internet acumularam poder e receita por meio de dados de usuários que lhes permitiram ‘pensar o pensamento antes de você fazer’, que se refere à previsão do comportamento. Outras empresas gigantes também prosperam com os dados, como e-commerces.

Considerando isso, surgiu o debate por incentivos ou pagamento às pessoas pelos dados que fornecem. É o que chamam de pagamento por privacidade (PFP) e economia de dados pessoais (PDE).

O famoso empresário americano e ex-candidato à presidência dos Estados Unidos, Andrew Yang, lançou o Data Dividend Project, onde sugere que as empresas de tecnologia paguem pelos dados que adquiriam dos usuários. Ele disse em uma entrevista ao New York Times que:

“Toda vez que postamos uma foto ou interagimos com uma empresa de mídia social, estamos divulgando informações e essas informações ainda devem ser nossas. Se alguém está lucrando com nossos dados e decidimos voluntariamente fazer parceria com uma empresa que está fazendo uso dessas informações, isso é justo, contanto que tenhamos uma fatia”.

Ele também sugeriu que as empresas deveriam começar a obter o consentimento, em termos claros, do usuário sobre a utilização de seus dados. Ele também propôs um sistema de sete direitos que deve ser concedido aos usuários:

  • Direito de ser informado sobre quais dados serão coletados;

  • O direito de optar por não participar de qualquer mecanismo de coleta de dados;

  • Direito de saber quais dados um site possui sobre um determinado usuário;

  • A capacidade de ter todos os dados apagados a pedido do usuário;

  • Ser informado sobre qualquer mudança de mãos no que diz respeito ao acesso aos dados dos usuários.

  • Informações completas e completas sobre qualquer violação que possa acontecer;

  • O direito de baixar as informações em um formato padronizado.

 

Como já acontece

Já existem iniciativas que remuneram os usuários por seus dados, como é possível ver nessa lista de sites e aplicativos. Podemos citar alguns exemplos:

DataCoup

O DataCoup paga pelo acesso à sua conta de mídia social. Eles dizem que não estão olhando seus dados pessoais, mas que estão interessados no que você vê e no que lhe interessa, pois é isso que as empresas pagam para aprender.

Você pode controlar quais dados você compartilha e quanto mais contas de mídia social vincular à sua conta DataCoup, mais dinheiro você ganha. Eles até permitem que você controle quem recebe seus dados.

Os ganhos podem chegar a US$ 8 por mês.

Get Panel

O aplicativo Get Panel se preocupa mais com sua localização do que com a atividade que você realiza em seu telefone ou tablet.

Eles monitoram sua localização para avaliar seus hábitos de compra, gostos e desgostos. As empresas usam as informações para criar os melhores planos de marketing com base nos hábitos dos usuários.

O aplicativo paga em pontos, e você pode ganhar mais pontos respondendo a pesquisas baseadas em localização também. Se você quiser, pode ganhar dinheiro sem fazer nada – nem mesmo abrindo o aplicativo. Basta instalá-lo em seu telefone com rastreamento GPS permitido (você pode desligá-lo a qualquer momento desinstalando o aplicativo).

Você pode resgatar seus pontos e trocar por prêmios em lojas como Amazon, Starbucks e Target. Em média, os usuários ganham de US$ 10 – US$ 75 por ano.

Reklaim

De acordo com a Reklaim, as empresas ganham dinheiro com seus dados todos os dias. Então, eles querem devolver o controle para você.

O serviço permite que você controle quem vê seus dados e paga pela divulgação dessas informações. Em vez de permitir que outros lucrem com seus dados, você deve ganhar uma fatia do bolo, e é isso que Reklaim oferece.

Tudo que você precisa fazer é baixar o aplicativo, definir seus parâmetros e eles fazem o resto enquanto você ganha uma renda passiva. Você ganha pontos todas as sextas-feiras, que pode trocar por prêmios. Os usuários ganham até US$ 10 por semana.

 

Pei

Pei é um aplicativo de recompensas de compras que paga para você comprar em suas lojas favoritas. O que os diferencia é que você pode optar por receber suas recompensas em Bitcoin.

Tudo que você precisa fazer é se inscrever em uma conta e vincular seu cartão de crédito. Quando você faz compras nas lojas participantes, o Pei rastreia suas compras e o recompensa com pontos.

Você precisa de US$ 15 em pontos para resgatar seus ganhos, que você pode receber via PayPal, cartões-presente ou Bitcoin. O aplicativo paga de volta entre 1% e 15% de sua compra, dependendo da loja que você comprou.

 

Contraponto

Neste debate, também há quem seja contra a monetização a partir da privacidade dos dados.

Em um artigo de autoria de Stacy Ann-Elvy, professora de Direito da Universidade da Califórnia, a Davis School of Law apresentou um argumento de três pontos sobre por que pagar pelos dados do usuário pode ser uma proposição exagerada:

  • O pagamento por privacidade pode promover o acesso desigual à privacidade e encorajar ainda mais o comportamento discriminatório;

  • Existem preocupações adicionais associadas a técnicas inovadoras de monetização que podem surgir em tais configurações;

  • As estruturas existentes não são suficientes para proteger contra os desafios assim listados.

Outra grande preocupação é que o valor que os usuários finalmente receberão pelos dados que fornecerem seria muito pouco, e muitas das estimativas atuais de quanto valem os dados individuais ou de quanto as empresas podem estar dispostas a pagar são exageradas. Outra preocupação é que essas transações entre empresas e indivíduos significam uma montanha de papelada e acordos contratuais que pode inviabilizar quaisquer acordos.

Outros, como a Electronic Frontier Foundation, defendem que, na verdade, o esquema de dividendos relacionado a dados prejudica os consumidores, beneficia as empresas e enquadra a privacidade como uma mercadoria em vez de um direito.

A organização entende que há três problemas principais para ajudar a considerar os resultados prováveis de uma política de dividendos de dados:

  • Quem vai determinar quanto você receberá para negociar sua privacidade?

  • O que torna seus dados valiosos para as empresas?

  • O que a pessoa média ganha com um dividendo de dados e o que ela perde?

Para eles, se onde estamos é uma indicação de para onde vamos, não haverá muito benefício com um dividendo sobre dados. 

“O que realmente é necessário são leis de privacidade mais fortes para proteger como as empresas processam nossos dados – o que podemos e devemos fazer como uma medida separada e mais protetora. Os dividendos de dados nos aprofundariam em um sistema que reduz nossa privacidade a apenas mais um custo de fazer negócios. A privacidade não deve ser um luxo. Não deve ser uma moeda de troca. Nunca deve ter uma etiqueta de preço”.

Seja como for, o assunto ainda vai render profundos debates e muita água vai rolar até realmente se chegar a modelos que funcionem na prática e em larga escala, seja em pagamento por dados ou em dividendos por dados. O assunto é bastante sério e delicado, mas nem por isso a discussão deve ser deixada de lado. Bem pelo contrário. Precisa ser debatida amplamente pela sociedade, em empresas, usuários, governo e órgãos reguladores, para que se chegue a um melhor modelo – que certamente será imperfeito, com furos, mas que se faz estritamente necessário para o setor.