Como os profissionais de tecnologia e dados podem alcançar resultados melhores usando técnicas de UX e como o Spotify fez isso na prática.
É comum que as aplicações de dados onde os programadores, analistas e cientistas de dados e outros profissionais técnicos trabalham, sejam repletos de códigos e ambiente de programação em geral. E não é incomum que a experiência do usuário final não seja levada muito em consideração.
E é curioso imaginar que em muitas dessas próprias empresas as áreas de UX sejam muito valorizadas, entendendo que a experiência do cliente é parte da garantia de sucesso do produto ou serviço. Nesse sentido, por que não aplicar a mesma lógica para os clientes internos das áreas de negócios quando estamos falando de produtos de dados? Afinal, de alguma forma eles também são usuários.
Como bem aborda a Head of Decision Intelligence do Google, Cassie Kozyrkov, há muitos casos em que parece que alguém tentou fazer uma ferramenta de ciência de dados para cientistas de dados sem nunca ter conhecido uma. Essa abordagem de desenvolvimento de produto é como se dois irmãos homens tentarem entrar no mercado de absorventes internos sem nunca consultar uma mulher. O que pode dar errado, não é verdade?
O campo de UX pode ajudar e muito a melhorar a performance das aplicações e produtos de dados. Para os profissionais não-técnicos que utilizam essas ferramentas, é fundamental que ela seja intuitiva e fácil de lidar. E para os profissionais técnicos, mesmo que saibam como operar em meio a códigos e interfaces menos amigáveis, uma boa UX pode lhe trazer ganhos de agilidade e facilidade no dia a dia.
Em uma analogia, no filme Raiders of the Lost Ark, há uma cena em que Indiana Jones descobre que os bandidos estão “cavando no lugar errado” em busca da Arca perdida porque estão faltando informações importantes.
Os bandidos estão fazendo o cálculo correto com base nas informações que têm em mãos, mas há uma variável oculta da qual eles não estão cientes – informações nas costas de um amuleto, mas eles só têm a parte frontal do amuleto. Enquanto o protagonista e seus amigos conseguem acessar todas as variáveis envolvidas no cálculo e descobrem onde está a localização certa da Arca.
Os cientistas de dados, embora façam as contas mais complicadas, estão à mercê da mesma situação que os bandidos. Não é intuitivo imaginar que há informações nas costas de um amuleto. E muitos dos jeitos que os dados são disponibilizados nas empresas são igualmente pouco intuitivos. Nesse sentido, se você não tiver boa interface que te dê acesso de forma intuitiva a todas as informações, você vai estar sempre um passo atrás para chegar onde precisa.
É aqui que o campo de design UX pode ser aplicado. Se cientistas de dados e designers UX não estão trabalhando lado a lado, a oportunidade de juntar forças e obter melhores resultados está sendo perdida. Ou se eles estão trabalhando juntos, mas não entendem a disciplina um do outro o suficiente, também há um problema.
Como o Spotify faz internamente
O Spotify opera em grande escala, afinal são milhões de ouvintes cujas atividades geram grandes quantidades de dados brutos. Os dados brutos por si só não são tão úteis; a empresa precisa ser capaz de processar, gerenciar e transformar em insights que podem informar novos recursos ou melhorias para a experiência. E para fazer isso, precisam de ferramentas utilizáveis e bem projetadas que garantam que esses insights possam ser facilmente compreendidos.
Até recentemente, as ferramentas que os cientistas de dados do Spotify usavam eram projetadas principalmente por engenheiros. Não havia ninguém dedicado a examinar os problemas que os cientistas de dados estavam enfrentando de forma holística. Isso significava que, na maioria das vezes, as ferramentas eram combinadas com soluções alternativas ineficientes.
Em 2019, uma equipe de design foi criada para repensar a stack existente e eliminar essas práticas ruins. Em seu canal no Medium, o Spotify conta como foi essa jornada.
Há muitas etapas entre obter dados e usá-los para negócios. Esse processo é ilustrado na pirâmide das necessidades:
Primeiro, é preciso coletar os dados corretos. Em seguida, processar esses dados. Somente depois de processado, os dados podem ser analisados e explorados.
No Spotify, ao começar a pensar em fazer isso, já havia algumas ferramentas em uso. Basicamente:
BigQuery: produto de data warehouse do Google com uma interface de usuário da web onde cientistas de dados podem armazenar e processar dados. Eles podem escrever consultas aqui para garantir que tenham o conjunto de dados correto para sua pergunta;
Jupyter Notebooks: um espaço de trabalho interativo de código aberto para a execução de código em blocos. Depois que os cientistas de dados usam a IU do BigQuery para validar seu conjunto de dados, eles usam notebooks locais para encontrar insights, criar visualizações, que explicam as descobertas e compartilham seu trabalho (entre outras tarefas);
ScienceBox: ferramenta de interface de linha de comando interna do Spotify para ajudar a acelerar a maneira como os cientistas de dados usam notebooks. É comumente usado como uma forma de organizar arquivos em projetos, pré-instalar bibliotecas de ciência de dados e criar um fluxo de trabalho de análise de dados padronizado e reproduzível.
Essas ferramentas funcionaram bem para conjuntos de dados pequenos, mas como se esperava que os cientistas de dados trabalhassem com conjuntos de dados cada vez maiores, eles tiveram que esperar mais para ver os resultados de seu código. Para os cientistas de dados do Spotify encontrarem insights de alto impacto nas enormes quantidades de dados que coletam todos os dias, precisam de ferramentas apropriadas.
O desafio do design aqui era reconstruir a ScienceBox com uma IU na nuvem, permitindo desbloquear os benefícios da computação em nuvem, como escalabilidade, processamento em alta velocidade e flexibilidade de infraestrutura.
A hipótese da equipe de design é que, ao melhorar essa ferramenta, adicionando poder de processamento, escalabilidade de descoberta e usando infraestrutura em nuvem, poderiam ajudar os cientistas de dados a analisar dados com mais eficiência, melhorar a colaboração e reduzir o tempo para encontrar insights nos dados.
A primeira parte do trabalho foi mapear o fluxo de trabalho existente para enxergar claramente o processo, percebendo que seria possível agrupar o tipo de trabalho em dois tipos principais – “consulta ad hoc” (ou seja, consulta rápida de dados para encontrar respostas imediatas) e “investigações de longo prazo” (projetos estruturados com cronogramas de um mês).
Em seguida, os usuários foram segmentados em grupos-alvo para que se tornasse possível tomar decisões de design informadas pelo usuário para os fluxos de trabalho identificados. Abaixo está um fluxo de amostra para um cientista de dados executando uma análise ad hoc:
Um fluxo de trabalho mostrando como as mudanças de recursos afetariam a experiência do usuário
Como resultado, o ScienceBox Cloud tornou-se um grande sucesso. Ao ter designers dedicados a criar uma experiência melhor para cientistas de dados, eles passaram a executar seus códigos até 50% mais rápido do que antes.