Orientado por dados ou apenas inspirado por dados?

 


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O viés de confirmação pode ser uma armadilha no momento de tomadas de decisões baseada em dados

 

As organizações cada vez mais estão investindo em dados. Contratam cientistas de dados, compram ferramentas, desenvolvem projetos, encomendam pesquisas a fim de tomar decisões científicas, imparciais, rigorosas e orientadas pelos dados. A questão é que a tomada de decisão geralmente não acontece dessa forma. Ela tende a ser, no máximo, inspirada em dados.

 

A Head of Decision Science do Google, Cassie Kozyrkov, aborda o assunto e dizendo que parece simples olhar para os dados e tomar as decisões indicadas por eles, mas na prática os tomadores de decisão correm o risco de não perceberem a armadilha contida no viés cognitivo de confirmação.

Pode acontecer da seguinte forma: você está pensando em comprar algo online em vez de se deslocar até o outro lado da cidade para buscar o produto e resumiu a decisão ao fato de confiar ou não no vendedor online. Em uma pesquisa rápida, descobre que o vendedor tem uma avaliação média de 4,2 em um total de 5 pontos de avaliação. Agora, basta usar essa nota para conduzir sua decisão. Aqui vem a armadilha: depois de ver a resposta, você pode escolher a pergunta mais conveniente para manipular sua decisão.

Um tomador de decisão que realmente deseja fazer a compra online pode pensar: “muito bom, é superior a 4.0, é uma boa reputação! Vou comprar”. Alguém que realmente não deseja usar esse vendedor encontrará outra maneira de enquadrar a questão em resposta aos dados: “por que ele recebeu avaliações menores que 5, será que houve problemas com algumas pessoas? E essa nota 1 que ele recebeu? E se acontecer comigo? Melhor não confiar, vou até outra loja física para garantir”.

Consideramos a avaliação, colocamos em uma balança e então alcançamos um ponto de inflexão emocional e decidimos. Existem números próximos à nossa decisão em algum lugar, mas esses números não a determinam. A decisão foi tomada antes dos dados, então a decisão estava lá o tempo todo. Acontece que os humanos interagem com os dados seletivamente para confirmar as escolhas que fazem, anteriormente, “no fundo do coração”. É isso que os psicólogos chama isso de viés de confirmação.

É a tendência de pesquisar, interpretar, favorecer e lembrar informações de uma forma que confirme ou fortaleça as crenças pessoais anteriores. Mesmo se você estiver exposto a informações que discordam de sua opinião, pode não aceitá-las e encontrar motivos para ignorá-la e continuará cavando até que os números sejam os que você gostaria de ver.

Quanto mais maneiras houver de dividir os dados, mais sua análise será um terreno fértil para o viés de confirmação. Um fato não é mais apenas um fato, não importa quanta matemática e ciência se invista para obtê-lo. Duas ou mais pessoas podem olhar para o mesmo número e percebê-lo de maneira diferente. Escolher as melhores fontes de informação não é suficiente. Os tomadores de decisão acabam usando os dados para se sentir melhor sobre o que fariam de qualquer maneira.


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Em uma empresa, a mecânica pode ser diferente, mas o viés de confirmação está lá na cabeça do decisor ou dos decisores. Meses de trabalho árduo de um setor inteiro de cientistas, engenheiros e analistas de dados para apresentar triunfalmente o resultado: é 4,2 em 5! A matemática foi feita rigorosamente. O que os tomadores de decisão da área de negócios fazem? Olham para isso através de seus óculos de polarização. Nem importa se ele é preciso – nada seria diferente se os números fossem apenas inventados.

 

Keith McNulty, líder de análise na McKinsey, explica que o viés de confirmação pode se manifestar de três maneiras dentro das empresas:

  1. No início, na forma como a análise é solicitada. Alguém na organização tem uma agenda ou objetivo e deseja usar a análise para apoiá-lo. Portanto, suas perguntas serão carregadas com: “Você tem evidências para apoiar isso? Encontre-me dados que mostram…”

  2. No meio, um comportamento comum é pedir que a análise seja refeita em subgrupos ou em diferentes períodos de tempo até que finalmente produza uma conclusão plausível com o que espera. “O que isso significa se restringirmos apenas aos últimos 3 meses? E apenas nos EUA?”

  3. No final, a análise fornecida é reformulada de uma maneira que pareça apoiar uma conclusão desejada. Utilizar Data Visualization aqui também pode favorecer esse viés, dependendo de como os dados são apresentados.

 

 

O antídoto

O problema do viés de confirmação é querermos mover as traves do campo depois de chutar a bola e descobrir onde ela foi parar, para assim nos enganarmos que marcamos um gol. O antídoto para esse veneno é definir as metas com antecedência e resistir à tentação de muda-las mais tarde. É traçar o objetivo de sucesso antes de iniciar um projeto de Ciência de Dados, combatendo o viés de confirmação de forma antecipada.

É como ir ao shopping fazer compras e dizer: quero comprar uma blusa e vou compra-la se eu encontrar um modelo de malha que custe menos de R$ 90,00. E se manter fiel a isso, por mais que você encontre uma peça de roupa que você queira muito, mas custe R$ 150,00. É nisso que consiste a inteligência de decisão.

A solução é definir os critérios de decisão com antecedência e não querer torturar as informações para que elas embasem uma opinião pessoal. Por isso, um artifício comportamental e mental importante é ter opiniões flexíveis, a fim de que você possa receber as novas informações e não ficar enraizado no achismo ou opinião que possuía antes delas chegarem a você – e, se for o caso, admitir que estava com uma premissa errada.

Cassie Korzykov alerta sobre isso: “você já percebeu como os artigos de pesquisa em ciência aplicada são cheios de advertências, humildemente lembrando o leitor de incógnitas que podem invalidar suas conclusões? Esse não é um padrão ruim para se almejar”.

A melhor maneira de não deixar o viés interferir, ainda que ocorra inconscientemente, é criar processos estruturados e consistentes que reduzam a chance de que o preconceito possa desempenhar um papel. A melhor hora é na solicitação inicial de análises, podendo acontecer em três passos:

  1. Escrever uma carta de serviço contendo compromissos sobre tempos de resposta e similares que também pode ser usada para tornar claros os valores da equipe baseados em evidências e para obter a concordância do cliente, do setor ou da equipe para trabalhar de uma forma que seja consistente com esses valores. Por exemplo, concordar com uma abordagem imparcial do problema e comprometer-se a não editar as conclusões após o fato sem consulta.

  2. Certificar-se de que a solicitação de análise seja expressa na forma de uma questão neutra e não um objetivo. Ruim: estamos procurando dados que comprovem que as vendas têm diminuído porque os clientes estão mais distantes desde a mudança de nosso escritório. Bom: com base em nossos dados, quais possíveis razões podem ser sugeridas para a recente queda nas vendas?

  3. Informar sobre os resultados da análise e fazer um registro dos resultados e do debrief. O debriefing com o cliente ajuda a evitar interpretações errôneas dos resultados e pode impedir outras solicitações para se aprofundar. Manter um registro significa que há o recurso de intervir posteriormente, se os resultados forem mal interpretados ou mal utilizados.