Experiências aumentadas por dados

 


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Artigo escrito por Diego Senise, Fundador e Head de Data Tech da ILUMEO.

 

Geralmente, em artigos científicos, palestras e eventos sobre Inteligência Artificial, três são as abordagens tratadas. A primeira delas é sobre o mundo pós I.A, ou seja, como ficam as relações interpessoais e a sociedade diante de tamanha mudança. Outro ponto é sobre as questões éticas e, por fim, casos de uso da I.A. É nesse último aspecto que entra a ideia de Data Boosted Experiences.

O conceito desafia o comportamento de muitas empresas em focar apenas em seus próprios problemas, com uma estratégia de melhorias incrementais e otimização de curto-prazo, ao invés de priorizar I.A como criação de experiência relevante ao cliente. Lancei o conceito originalmente em uma palestra para o Fórum de Inovação e Tecnologia da Abrahosting (Associação Brasileira de Hosting e Infraestrutura), em São Paulo. Aqui, transformei o racional em texto.


ILUSÃO DE DIFERENCIAL DA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Um exemplo prático de foco em otimização interna sem mudança na experiência do usuário é visto em muitas fintechs. A cada mês surgem novas fintechs se propondo a resolver problemas dos clientes. Atualmente, existem 500 fintechs no Brasil. Será que existe uma quantidade tão grande de problemas a serem resolvidos? Não. Na verdade, a baixa barreira de entrada, tecnologia disponível e a ilusão de diferencial da A.I. impulsionam esse movimento.

Por ser uma consultoria de Data Science que atende empresas do setor financeiros e seguros, muitas fintechs acabam procurando a ILUMEO.

Nas reuniões dos os diretores ou fundadores, minha primeira pergunta é:

– Qual seu diferencial?

– Inteligência artificial está no core da empresa. Usamos A.I. desde o dia número 1.

Correndo o risco de soar indelicado, eu repito a pergunta:

– Mas qual é o seu diferencial?

Quem dá essa resposta normalmente está pensando em mecanismos de A.I para tornar a operação mais eficaz: análises de risco de crédito, propensão à inadimplência, propensão a cross sell ou upsell, clusters mais inclinados a determinada oferta, modelos de identificação de anomalias e fraudes, etc. Tudo isso é muito importante e de vanguarda. Porém, nada disso impacta diretamente a experiência do cliente.

É impressionante como muita gente se ilude achando que o fato de ter esses mecanismos de A.I, big data e data science é diferencial em si. É ingênuo achar que os grades bancos não usam A.I. Quase todos têm. E quem não tem, está correndo atrás do prejuízo.

Vários exemplos mostram como a Inteligência Artificia pode ser usada de forma criativa. E, principalmente, impactar de forma positiva a experiência do consumidor final. Abaixo, cito alguns exemplos que já ocorrem no mercado e outros que são ideias próprias, mas ainda não foram implementadas

EDUCAÇÃO (EAD)

No mercado da educação, podemos olhar para o ensino à distância. Atualmente, a forma mais comum de medir o churn é analisando os dados demográficos (renda, idade, emprego formal, CEP) e comportamentais dos alunos (notas, pagamento da mensalidade, frequência nas aulas). Na ILUMEO, em parceria com a NeurUX, complementamos a predição do churn desse serviço a partir das expressões faciais do aluno ao assistir as vídeo aulas. A cada milissegundo o algoritmo captura, processa e analisa as imagens para identificar alteração nas expressões e a sua conexão com o conteúdo. A hipótese é a seguinte: pode haver algo no conteúdo ou na forma como o EAD é apresentado que aumenta ou reduz a probabilidade de evasão. 


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Assim, caso o aluno de EAD autorize que seu rosto seja filmado pela webcam durante a aula (termos e condições de opt in), o sistema de A.I começa a aprender com as suas reações. Com a vantagem de ser um método que identifica possibilidades de melhoria de conteúdo durante a jornada do aluno – não uma análise post-mortem. É um exemplo simples que mostra como a instituição pode ser beneficiar e alunos também, na medida em que os pontos de dor deles em relação ao conteúdo podem ser revistos para melhorar a experiência e aumentar o engajamento com as disciplinas.


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COMPANHIAS AÉREAS

As companhias aéreas já usam inteligência artificial para otimizar questões core de sua operação: precificação, relação entre operação/atrasos com a disponibilidade de equipe e chatbot para atender clientes. Isso tudo se encaixa no mindset de usar A.I. para ter ganhos incrementais de otimização naqueles aspectos que importam muito para a empresa e pouco aos clientes.

Imagine o seguinte projeto. Uma companhia aérea cria um sistema de A.I. que tem o objetivo de gerar tranquilidade e previsibilidade para os clientes que viajam a negócios. Na prática, uma das funcionalidades seria sugerir ao cliente que ele saia mais cedo para não perder seu embarque. A pessoa receberia uma mensagem no celular ou ligação de assistente de voz dizendo:


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Embora isso não afete diretamente a empresa do ponto de vista operacional e financeiro, certamente agregará valor à sua experiência de viagem.

É interessante olhar como as empresas podem buscar o caminho extremamente oposto: implementar algoritmos para focar somente no que traz benefício financeiro de curto prazo e esquecer da experiência do cliente. Esse foi o caso da Ryanair, que foi acusada de usar algoritmos para separar as famílias em assentos distantes, a fim de motivar upgrade de escolha de assento.

Nem é preciso dizer o tamanho da repercussão negativa que isso gerou. Aqui, existe um aprendizado muito claro. Se a experiência do cliente é colocada em primeiro lugar, dificilmente um brainstorm de projetos de inteligência artificial chegaria a um caminho tão errado.

ELETRODOMÉSTICOS

Quando se pensa em produtos, os principais exemplos aplicações de I.A normalmente estão em indústrias de tecnologia (celular, assistentes virtuais). Mas, há outras categorias que estão menos no radar da mídia e serão transformadoras. Eletrodomésticos é uma categoria que ilustra esse cenário.

Imagine esse projeto. Uma marca de geladeira decide adotar como princípio de sua inteligência incentivar seus usuários a ter uma alimentação mais saudável. Então, por meio da medição do peso das prateleiras em conjunto com fotos ou vídeos capturados de dentro do aparelho, o sistema faz indicações sobre a necessidade de comprar uma quantidade maior de verduras para se ter uma alimentação balanceada.


Por outro lado, a empresa pode definir que o princípio da sua inteligência é a otimização de faturamento por ser uma tecnologia que faz o meio campo entre consumidores, supermercados e empresas de alimentação. Assim, uma ideia possível seria criar um leilão em tempo real, para que várias empresas ofereçam lances para comprar espaço de propaganda ou conteúdo na tela das TVs inteligentes. Nesse caso, não necessariamente produtos pouco saudáveis e perigosos para a saúde das pessoas poderão ganhar o leilão e aparecer na tela.

A diferença entre os dois cenários está relacionada à estratégia adotada pela empresa. Ela pode focar em seus valores e prezar pelo relacionamento com o cliente, buscando uma sociedade saudável no longo prazo. Ou pode no curto-prazismo e achar mais vantajoso entrar no mercado de advertising, gerando uma nova linha de receita. Vale ressaltar que não há certo ou errado nessa situação. O importante é pensar nos princípios e na estratégia antes de pensar na tecnologia e em Data Science.

BANCOS

Algumas empresas já estão desenvolvendo algoritmos e sistemas automatizados para evitar perda financeira com processos judiciais. Quando um cliente liga reclamando sobre algum problema, o algoritmo calcula de forma automatizada qual é a probabilidade de esse caso gerar um processo judicial e perda financeira.


A lógica prevê a construção de um banco de dados que organize os resultados dos processos a partir de cada uma das suas variáveis independentes (preditoras) como o tipo de reclamação, perfil de quem está processando, estado/cidade, comarca, juiz, características do juiz etc. E, claro, às variáveis (de resultado) relacionadas a cada processo (ganho/perda e valor da indenização). Tendo um banco de dados organizado dessa forma e fazendo a carga de dados de uma série histórica consistente, é possível encontrar padrões que indicam a probabilidade de ganho ou perda e o tamanho provável do desembolso financeiro em caso de perda para a empresa processada. No limite, é possível até analisar em tempo real o tom de voz da pessoa que está reclamando – se está mais exaltada pode ser um sinal de aumento de probabilidade de processo. Assim, quando o problema citado for acidente, o sistema consegue dar uma orientação ao atendente sobre como prosseguir com o atendimento à determinada pessoa. 

Esse tipo de solução já existe. Pode ser usada tanto para melhorar as experiências dos clientes ou com o objetivo de só atender pessoas que apresentações riscos altos de gerar prejuízos à empresa. Essa é a grande questão: os projetos de I.A não têm a tecnologia um a priori de princípios, sendo necessário que isso seja definido na estratégia

BELEZA

O segmento de beleza também está revolucionando a forma de utilizar a ciência de dados com foco na experiência do cliente. Recentemente, empresas passaram a permitir os consumidores respondam as características de seus cabelos a partir de um site. A partir de simulações de milhões de possibilidades, criam um shampoo exclusivo e personalizado para as necessidades de cada cliente. É o caso da MeuQ no Brasil.


Apesar de iniciar o processo por meio de declarações da própria pessoa, a ultra personalização do produto vai além. Atualmente, há wearables em forma de adesivos para pele (UV patch) ou pingentes que identificam o nível de intensidade solar ao qual a pessoa está sendo exposta. Com isso, seria possível ajustar no mês seguinte o shampoo que será produzido e enviado a esse consumidor, para se adequar não só ao seu perfil da consumidora, mas também à mudança de suas necessidades ao longo do tempo. 

O mais interessante é pensar que esse tipo de iniciativa deriva de uma mudança de mindset no momento de fazer perguntas de negócio.

Se um CEO perguntar: “como aumentar em 20% preço de produto?”, talvez não se chegasse a ideias tão transformadoras.

Se o CEO perguntar “Como podemos transformar a experiência dos clientes de verdade?” existe mais chance para se chegar nesse tipo de ideia.

SITES DE EMPREGOS

Além dos exemplos reais que foram discutidos, vale trazer ideias que ainda não foram implementadas para ilustrar ainda mais o conceito de Data Boosted Experiences.

A primeira delas diz respeito a empresas digitais que oferecem vagas de emprego como a Catho, Vagas, Infojobs e OLX. Atualmente, seus principais clientes são pessoas desempregadas ou em busca de realocação no mercado. Contudo, muitos empresários se interessam em contratar pessoas que já estão bem colocadas no mercado. Pessoas que decidam “comprar a ideia” do desafio que será proporcionado para ela. Porém, essas pessoas raramente incluem seus currículos em sites de vagas. Em geral, nem estão buscando empregos.

No paralelo, quando as pessoas chegam em um ponto de vida com maior maturidade, repensam se vale a pena permanecer em seu emprego. Os triggers podem ser casamento, filhos, doença ou qualquer outra questão. Entretanto, obviamente não são 85% das pessoas que de fato estão procurando novas oportunidades de trabalho e colocando seus currículos online. Ou seja, tem muita gente repensando a vida e o trabalho, mas ainda não procurando emprego.

Seria possível oferecer uma experiência legal para essas pessoas que estão repensando a vida? Isto é, identificar o momento de vida dos meus clientes potenciais de acordo com suas postagens nas redes sociais e oferecer a eles vagas em empresas que combinem com as necessidades. Alguns querem trabalhar mais perto de casa. Outros querem mais flexibilidade de horário. Outros querem incentivo para estudar. Portanto, isso criaria uma nova linha de faturamento para sites de vagas, a partir de um público que antes não era prospectado – aqueles aparentemente não estariam buscando emprego.

MERCADO DE ARTE

Por fim, um segundo exemplo ainda não implementado seria voltado para às lojas de arte como UrbanArts e DecorArt. Diferentemente de galerias de arte que expõem poucos quadros, essas são lojas que oferecem milhares de opções. 


Pessoas leigas em relação à arte têm dificuldade em escolher qual obra comprar. Muitas vezes, não sabem nem como expressar o que desejam. Só sabem que querem um quadro legal para a sua sala. Mesmo sabendo disso, a experiência de consumo das lojas é pautada pelo volume de opções. Você entra da loja e é bombardeado por dezenas de quadros de diferentes estilos. Um caso típico de paradoxo da escolha. Obviamente, você fica poucos minutos. Antes de sair, o vendedor te diz: “Se não encontrou o que queria, temos mais 10.000 obras no nosso site.” Daí que você realmente sai correndo. Se não conseguir decidir vendo dezenas de quadros, imagina olhando milhares em um scroll eterno do site.

Para melhorar essa experiência dos visitantes da loja, deveria ser criado um novo ritual de consumo com base em dados. Imagine chegar a uma loja de arte, sentar-se para conversar com um especialista que te fará uma série de perguntas, além de servir um café, claro! Enquanto você toma o café, ele dá um tablet para você e o seu companheiro(a). E vocês começam a responder rapidamente se gostam ou não de vários quadros em sequência.

Você não entenderá muito bem por que está vendo alguns quadros. Mas, por traz, cada quadro tem seus meta-dados que são variáveis independentes de um modelo estatístico que avaliará quanto você gosta de cada “feature”: foto ou pintura, colorido ou preto e branco, impressionista ou expressionista, abstrato ou realista, cores etc. A ideia é que o sistema de machine learning busque o melhor match entre as suas respostas e os quadros disponíveis para venda. Mais ainda, o sistema pode sugerir quais quadros são mais adequados para harmonizar o seu gosto com o gosto do seu parceiro(a). Não adianta um amar um estilo e o outro odiá-lo. É uma espécie de Tinder dos quadros.

Tenho certeza que isso transformaria a categoria. Teria impacto porque transformaria a experiência de compra em algo inédito, ritualístico, interessante e sem a pressão e o cansaço de ver centenas opções. Superaria o paradoxo da escolha e daria um motivo para as pessoas entrarem na loja, mesmo aquelas que não estão 100% convictas que querem comprar um quadro para a sua casa.

Acredito que esse exemplo ilustra plenamente o conceito de Data Boosted Experiences que criei. É a ideia de que sem o sistema de análise de dados alimentando a experiência do consumidor, a experiência em si nem existiria. Não é que ela seria pior. Ela nem existiria. Nesse caso da arte, somente a inteligência artificial de match permitiria ao consumidor alcançar um entendimento que, por conta própria, ele não atingiria por meio da linguagem. Ele não saberia briefar o vendedor sobre o seu gosto. É a superação de uma barreira de repertório de conhecimento que o sistema cognitivo (memória, julgamento, decisão) não estava preparado para fazer sem o auxílio de uma solução de tecnologia e dados.