Com publicações de pesquisa em tempo recorde, a ciência também se reinventou com o Coronavírus. Porém, há perigos nesta aceleração. Os negócios também tiram lições preciosas com a necessidade de inovar.
A necessidade de combater o novo Coronavírus modificou drasticamente a produção científica nos primeiros meses de 2020. São duas faces da mesma moeda. Por um lado, pesquisas e resultados que demoravam cerca de seis meses para serem publicados em revistas científicas e terem seus dados divulgados e tornados públicos, agora podem ser encontrados em sites imediatamente após a sua finalização. Por outro lado, as exigências e o filtro de qualidade caíram muito, o que leva a um viés perigoso. Isso aconteceu de forma semelhante também nos negócios como um todo. Vamos refletir sobre as duas percepções.
Produção a jato de pesquisas
Desde o início da pandemia do Covid-19 há um esforço global, inclusive da Ciência de Dados, para entender e controlar o vírus, buscando prever seu comportamento, antecipar seu impacto e buscar soluções para erradicá-lo. Mais de 7.000 artigos sobre o assunto, desde virologia até epidemiologia, surgiram em três meses. Acredite: isso é muito rápido!
Os pesquisadores geralmente levam anos para projetar experimentos, coletar dados, validar hipóteses e cravar resultados. É comum que as revistas científicas levem muitas semanas e meses para publicar essas pesquisas, já que o procedimento percorre várias etapas, incluindo a edição, processo de verificação anônima, revisão de especialistas externos, entre outros itens. E como elas são consideradas as guardiãs do portão entre os pesquisadores e o resto do mundo, é quase impossível que a produção científica ganhe notoriedade sem passar pelos seus crivos.
Porém, a atual emergência de saúde mundial turbinou isso. Como médicos, ministérios e governos precisam recorrer à ciência para tomar decisões imediatas que impactam em vida ou morte, a velocidade dos resultados se tornou essencial. Assim, os periódicos receberam um aumento de inscrições de publicações, reduziram seus processos normais de revisão e trabalharam horas-extras para atendar à demanda.
Os pesquisadores também buscaram outras formas de ter suas pesquisas publicadas, deixando as revistas como uma opção extra e não como objetivo principal da divulgação de seus resultados. Assim, as novas pesquisas são publicadas em repositórios online, chamados servidores de pré-impressão. Os documentos podem ser publicados rapidamente e com apenas algumas formalidades, sem passar por revisões profundas. Os matemáticos e físicos já os usavam frequentemente e a prática ganhou força entre os biólogos, mas com o Coronavírus isso se alastrou e cerca da metade da produção de trabalhos científicos sobre a pandemia foi lançado neste meio.
Os cientistas chineses, por exemplo, publicaram o genoma do Sars-CoV-2 apenas alguns dias após o vírus ter sido isolado, permitindo a criação rápida de testes para detectar infecções em pessoas com sintomas suspeitos. Relatórios iniciais também sugeriram que a taxa de mortalidade era muito mais alta do que as observadas em outros vírus, como da gripe, o que levou o mundo a enfrentar o problema com mais seriedade.
A velocidade dessas publicações também surgiu da necessidade da ciência se tornar mais relevante no combate a epidemias de forma mais eficiente que casos anteriores. Marc Lipsitch, epidemiologista de Harvard, está atuando na Covid-19 e traz experiências anteriores dos surtos de Ebola (2014-2016) e Zika (2015-2016) – quando as respostas foram mais lentas. Ele levantou que as pesquisas foram publicadas nos servidores de pré-impressão cerca de 100 dias antes dos artigos de periódicos. Porém, apenas 5% de todos os artigos publicados em periódicos sobre os dois surtos foram pré-impressos. A informação chegou tarde demais a quem tem o poder de fazer alguma coisa. Essa demora custou muitas vidas.
O caso emblemático da cloroquina
Outro caso que ganhou as manchetes da imprensa foi a utilização da cloroquina e da hidroxicloroquina como um potencial tratamento. A droga é utilizada para tratar pacientes de lúpus, malária e artrite reumatóide e começou a ser testada para o tratamento de Covid-19. Também é utilizada para combater outras espécies de Coronavírus semelhantes ao Sars-CoV-2. Durante a pandemia, o remédio foi testado preliminarmente por cientistas chineses que propôs testá-lo em pacientes.
O medicamento já foi testado também contra os vírus da Zika, Ebola e outras influenzas. Em células isoladas, a droga apresentava bons resultados, mas a utilização em animais apresentava problemas. O remédio ganhou repercussão mundial depois do presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciar que seria testada no país, caminho que também tomou o mandatário brasileiro Jair Bolsonaro. Isso foi estimulado por um artigo publicado no International Journal of Antimicrobial Agents, publicado em 20 de março. Esse documento agora tem pontos de interrogação sobre seu rigor e confiabilidade. Porém, a notícia já havia sido espalhada e algumas decisões de grande influência podem ter sido tomadas com base nisso.
O estudo foi conduzido pelo médico infectologista francês Didier Raoult, que testou 20 pacientes, mas avaliou somente a carga viral e não seu resultado clínico como febre e oxigenação.
A Isac – International Society of Antimicrobial Chemoterapy – responsável pelo periódico, afirmou em 3 de abril que a pesquisa não atendia aos padrões esperados, especialmente pela falta de explicações dos critérios de inclusão e triagem de pacientes. A Isac também afirmou ser importante ajudar a comunidade científica a publicar novos dados rapidamente, mas que isso não poderia acontecer às custas da redução do escrutínio científico.
Atualmente há pelo menos 80 estudos no mundo testando a cloroquina contra a Covid-19. Com mais dados, será possível saber qual o real efeito da droga no combate à doença. Como efeitos colaterais, pode causar reações graves que levam a morte, como insuficiência hepática e insuficiência cardíaca.
A transformação nos negócios
Bem, nos negócios isso aconteceu de forma semelhante. Uma brincadeira que circulou na Internet após as medidas de isolamento e distanciamento social e os desdobramentos econômicos, ilustra isso de forma direta:
Os negócios também precisaram responder à pandemia de forma tão acelerada quanto a ciência a fim de se manterem relevantes e atender ao novo comportamento social. É verdade que o impacto foi gigantesco – segundo o Sebrae, 88% das pequenas empresas declararam queda semanal de faturamento, chegando a ser, em média, 69% menor em relação a uma semana antes da pandemia chegar ao Brasil.
Por outro lado, surgiram alternativas que traduzem essa nova fase, como as vendas em e-commerces, que cresceram 48,3% em relação ao mesmo período de 2019 (segunda quinzena de março até o fim de abril).
Negócios tradicionais se reinventaram, operando de formas diferentes. Alguns exemplos são o restaurante Bia Hoi, de comida vietnamita, que passou a vender vouchers para as pessoas utilizarem depois da crise. A franquia da Sterna Café passou a entregar comida em domicílio, a marca de scooters elétricas Voltz trocou o showroom físico por um mostruário virtual.
Outros exemplos são a fintech Cora, que nasceu um banco digital e criou uma plataforma onde os consumidores podem comprar cupons de produtos e serviços de pequenos negócios para serem usados quando possível. A Eats 4You, que conecta pequenos cozinheiros a empresas para entregarem marmitas no almoço, passou a disponibilizar entregas em casa com o aumento do regime de Home Office.
Nas empresas é possível se perguntar: qual a face da moeda que caiu para cima com a turbulência decorrida da pandemia? Os impactos foram inevitáveis, restando saber qual lição é possível tirar para que a reinvenção ocorra. A exemplo desses e de tantos outros negócios, alguma nova prática ou algum novo processo pode ajudar a melhorar o desempenho agora e quando tudo isso passar.