Entender a relação entre atitudes, intenções e valores é indispensável para quem tem interesse em estudar o comportamento humano.
No filme “A Dama de Ferro” (2011), a personagem de Margaret Thatcher, interpretada por Meryl Streep, declara:
Preste atenção em seus pensamentos, pois eles se tornam palavras.
Preste atenção em suas palavras, pois elas se tornam ações.
Preste atenção em suas ações, pois elas se tornam hábitos.
Preste atenção em seus hábitos, pois eles se tornam seu caráter.
E preste atenção em seu caráter, pois ele se torna seu destino.
No entanto, mais do que frases de efeito, a fala apresenta um raciocínio teórico que poderia ser mais frequentemente utilizado por quem tem interesse em estudar o comportamento humano, especialmente no âmbito do marketing e dos negócios.
Existe relação causal entre atitude, intenção e comportamento? Ainda que a discussão seja pouco abordada no Brasil – tanto no mercado quanto na academia –, ela é assunto desde a década de 1980. Um dos artigos seminais sobre o tema é de Richard Bagozzi, um dos teóricos mais proeminentes do marketing e professor na Universidade de Michigan.
Em “Attitudes, Intentions, and Behavior: A Test of Some Key Hypotheses”, Bagozzi explora as relações entre atitude, intenção e comportamento. O pesquisador, na época professor do MIT, conduziu um estudo de campo com doadores de sangue. Alunos, professores e funcionários responderam questionários sobre suas atitudes e intenções a respeito da doação antes de eventos de coleta. Depois, o comportamento relacionado à doação foi aferido por meio dos registros da Cruz Vermelha, organização humanitária responsável pelos eventos.
Quando falamos sobre atitude, é importante deixar claro que não se trata de uma ação, como costumamos expressar coloquialmente (“você precisa tomar uma atitude a respeito disso!”). A atitude é um constructo psicológico a favor ou contra um objeto social – por exemplo, uma marca ou uma causa. Nesse sentido, ela está muito mais próxima da ideia de crença do que de ação.
Bagozzi observou que a atitude influencia o comportamento somente por meio do impacto na intenção. Em outras palavras, uma atitude a favor da doação de sangue não significa necessariamente que o indivíduo realizará a doação, ainda que tenha essa intenção. Ou seja, a atitude não é obrigatoriamente preditora de comportamento.
Os dados de Bagozzi apontaram uma relação causal entre atitude, intenção e comportamento, embora o pesquisador tenha encontrado efeito moderado entre atitude e intenção. Entre atitude e comportamento, foi pequeno. Quando o comportamento passado foi levado em conta, a influência da atitude foi ainda mais reduzida. Em suma, a atitude parece influenciar o comportamento, mas com impacto relativamente pequeno.
Aparentemente, o comportamento passado tende a reduzir o impacto das intenções sobre o comportamento, porque, à medida que o hábito aumenta, o desempenho do comportamento torna-se menos uma avaliação racional das conseqüências do ato e mais uma resposta aprendida. Além disso, as intenções parecem ter um efeito direto no comportamento apenas no curto prazo.
Valores
Na mesma linha das preocupações de Bagozzi, Anat Bardi e Shalom H. Schwartz investigaram a relação entre valores e comportamento no artigo “Values and Behavior: Strength and Structure of Relations”.
Valores são importantes para compreender vários fenômenos sociopsicológicos. Segundo os pesquisadores, o comportamento manifesto é, potencialmente, uma consequência particularmente importante dos valores. É essa ligação entre valores e comportamento que dá sentido aos esforços para estabelecer e mudar valores na educação e na comunicação. No entanto, essa não é uma discussão simples. Eles afirmam:
Pode ser surpreendente, [mas] pesquisadores mostram pouca concordância quanto ao papel dos valores na orientação do comportamento. Alguns sustentam que os valores guiam o comportamento e até incluem esse papel orientador em sua definição de valores. Outros concluem que os valores guiam o comportamento apenas raramente e não para a maioria das pessoas.
Valores transmitem o que é importante para nós em nossas vidas. Um valor específico pode ser muito importante para uma pessoa, mas sem importância para outra. Eles são constructos motivacionais que representam objetivos amplos, aplicados a diferentes contextos e momentos. Por exemplo, valorizar o poder significa lutar pelo poder no trabalho, em casa, com amigos e assim por diante.
Schwartz definiu dez valores amplos, de acordo com a motivação subjacente a cada um deles: poder, realização, hedonismo, estimulação, autodireção, universalismo, benevolência, tradição, conformidade e segurança.
Estudos já mostraram que valores são preditivos de decisões importantes, como a escolha do curso universitário ou partido político. No entanto, a maioria dos nossos comportamentos é mais espontânea. Raramente pensamos em nossos valores prioritários ao interromper alguém durante um diálogo (valor de poder) ou comer uma sobremesa (valor de hedonismo).
Assim, Bardi e Schwartz conduziram uma série de experimentos para entender a correlação entre os dez valores mencionados e os comportamentos de indivíduos que afirmavam carregar tais valores. Por exemplo, se o indivíduo afirmava ser hedonista, o estudo investigava se esse indivíduo apresentava comportamentos correlatos com esse valor.
Mais uma vez, os resultados mostraram que alguns valores se relacionam mais fortemente aos seus comportamentos expressos do que outros. Valores de tradição e estimulação se correlacionaram altamente com os comportamentos que comumente os expressam. Já os valores de hedonismo, autodireção, universalismo e poder mostraram associações razoáveis com tais comportamentos. Por fim, valores de segurança, conformidade, benevolência e realização tenderam a se relacionar fracamente aos comportamentos que os expressam.
Como os estudos descritos apontam, a relação entre os pensamentos e o destino não é tão simples como na fala de Meryl Streep. Entretanto, a investigação do diálogo entre atitudes, intenções e valores é fundamental para o entendimento do comportamento humano.