Sociofísica e Econofísica: diálogos entre a física e as ciências sociais

 


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Estudos interdisciplinares mostram que o diálogo entre as ciências sociais e a física pode fornecer respostas preciosas sobre o funcionamento da sociedade.

O fracasso da economia tradicional em prever a crise global de 2008 estimulou o crescimento da Econofísica. A ideia é que o peso conferido aos dados empíricos, natural nesse novo ramo interdisciplinar, talvez supere teorias clássicas que são possivelmente muito simplistas para descrever a realidade. Por exemplo, é sabido que distribuições estatísticas regem várias atividades econômicas, embora as razões para isso ainda não tenham sido completamente entendidas.

Esse é apenas um exemplo de como campos interdisciplinares transcendem barreiras ao tentar explicar o comportamento humano. O físico Sidney Perkowitz levantou, no portal acadêmico JSTOR Daily, alguns interessantes exemplos de estudos da Sociofísica e da Econofísica, ramos que promovem o diálogo entre a física e as ciências sociais.

Um time de pesquisadores dos Estados Unidos, Israel e Brasil publicou, na conceituada revista Nature, um artigo que analisa como as opiniões radicais se espalham pela população. O estudo empregou modelos do campo da física estatística para analisar diversas pesquisas que levantaram, ao longo do tempo, a opinião pública sobre temas como religião, economia, política, aborto, sexo fora do casamento, livros, filmes e eleições.

Foram utilizadas pesquisas em que os entrevistados respondiam quais eram suas atitudes a respeito desses temas, segundo categorias como “sou muito favorável”, “sou um pouco favorável”, “sou um pouco desfavorável” e “sou muito desfavorável”. No artigo, foram consideradas opiniões radicais aquelas que se encaixavam nos extremos das categorias – ou seja, “sou muito favorável” ou “sou muito desfavorável”.

 

A maior parte dos dados levantados teve origem no Pew Research Center, instituição que mede opinião pública e tendências nos Estados Unidos e no mundo. Para ilustrar o funcionamento do estudo, vamos tomar como exemplo a pesquisa sobre religião. O trabalho investigou uma pesquisa na qual os participantes eram perguntados se religião era uma parte importante de suas vidas. As respostas disponíveis para essa questão eram: “acredito fortemente”, “acredito”, “não acredito” ou “não acredito fortemente”.

 

Por meio desses dados, a fração de entrevistados com pontos de vista extremos (ƒₑ) foi comparada com o total de participantes (ƒ). Essa comparação gerou um padrão surpreendente. Na figura a, cada ponto representa o resultado de uma pesquisa realizada em um determinado país e em um determinado ano. Embora os pontos sejam espalhados, eles são bem correlacionados e seguem uma tendência definida.

 


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Nas pesquisas em que a fração de extremistas era pequena, ela é proporcional ao número total de indivíduos que têm uma opinião a respeito do tema (como é possível aferir na linha reta pontilhada). Esse comportamento linear tende a acontecer em um sistema no qual não há interação entre os indivíduos e as opiniões são formadas independentemente. No entanto, quando o número de opiniões radicais ultrapassa 20% dos participantes, essa fração passa a aumentar de maneira não linear e leva rapidamente a uma maioria de extremistas.

 

Quando uma maioria significativa é alcançada em uma determinada população, a interação entre indivíduos com opiniões semelhantes leva a uma mudança de opinião moderada para o extremismo.

Essa não linearidade não é exclusividade de assuntos polêmicos, como religião ou política, sobre os quais as opiniões parecem ser naturalmente polarizadas. O comportamento se repetiu em todos os assuntos analisados – inclusive em tópicos simples, como opiniões sobre livros e filmes –, como pode ser observado nos outros gráficos da figura anterior.

E como essas opiniões extremas são adotadas individualmente? Segundo os pesquisadores, eles criaram um modelo para capturar a origem microscópica dessa formação de opiniões. Eles propuseram um modelo baseado em Análise de Redes Sociais – um método que estuda o efeito das estruturas dos nossos grupos sociais na maneira como fenômenos ocorrem dentro deles.

No modelo, a opinião de um indivíduo (q) recebeu valores entre −1 e +1. Além dessa valoração, foi introduzido um parâmetro matemático que mede a “teimosia” do indivíduo. Ou seja, sua resistência à mudança de opinião. Essa parâmetro é calculado segundo a opinião anterior do indivíduo, bem como a opinião média dos vizinhos de sua rede social. Os pesquisadores rodaram diversas simulações computacionais desse modelo, com diferentes proporções de indivíduos com opiniões diferentes e atestaram que a interação entre eles tende matematicamente ao extremismo.

Essa mudança de fase – a predominância de opiniões moderadas em direção a opiniões radicais – dialoga com um efeito central da física estatística, na qual a correlação entre partículas produzem comportamentos não lineares que culminam em uma transição de fase, tal como acontece quando a água se transforma em gelo.

Assim, com os dados empíricos obtidos, os pesquisadores desenvolveram um “diagrama de fase” social. Ele é análogo ao diagrama que apresenta as condições de temperatura e pressão que condicionam as fases da água: sólida, líquida e gasosa. Porém, o diagrama desenvolvido mostra as condições em que uma sociedade ocupa uma fase moderada, um pouco extremista e de fato extremista, como pode ser visto na figura a seguir.


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Essas mudanças de fase têm transições bem definidas. As transições de uma fase para outra são caracterizadas pelo mudança de estado que transforma indivíduos e suas redes de contato em extremistas. O comportamento dos clusters que carregam opiniões extremas estão na origem da não linearidade da difusão de opiniões. 

Outros exemplos 

Em 2014, pesquisadores da Universidade de Minnesota descreveram como indivíduos evitam colisões quando interagem em grandes grupos. “As multidões têm uma notável semelhança com sistemas de partículas em interação”, afirmam os autores.

 

Para alcançar essa conclusão, foram investigados conjuntos de dados com trajetórias de pedestres em ambientes externos e experimentos feitos em laboratório. Os dados foram gerados por captura de movimento e técnicas baseadas em visão computacional e, depois, foram analisados estatisticamente.

 


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Mais próximo do mundo dos negócios, um estudo de 2011 examinou como indivíduos influenciam uns aos outros por meio das avaliações de produtos vendidos na Amazon. Os pesquisadores utilizaram análise de sentimento para criar uma pontuação das avaliações – de altamente negativa (-5) até altamente positiva (+5). Em seguida, examinaram as ações induzidas por esses sentimentos. Ou seja, se os indivíduos classificavam as avaliações como “útil” ou “inútil” e se eram motivados a escrever suas próprias avaliações. Os resultados mostraram claramente que os indivíduos eram influenciados pelos comentários alheios. 

Todos esses estudos demonstram como métodos focados em dados podem aprimorar nosso entendimento de fenômenos sociais. No Brasil, campos como marketing, publicidade e comunicação em geral ainda engatinham na utilização de métodos interdisciplinares. No entanto, os estudos apresentados mostram que os métodos robustos da estatística e da física podem prover respostas preciosas sobre o funcionamento da sociedade.