O futuro chegou para o mercado jurídico: como a Ciência de Dados pode tornar o setor mais produtivo e eficiente
É inegável a realidade de que grande parte de nossas atividades, hoje, é orientada por dados. Seja através de recomendações de compra em lojas como a Amazon, seja na lista de compras virtual que você cria para não esquecer de nada, ou até mesmo nas diversas avaliações e “estrelas” que damos a trabalhadores em aplicativos de transporte, delivery ou aluguel de moradia. Fato é que muitos setores da sociedade dependem dos dados atualmente, e trabalham em cima deles para atingir melhores resultados e desenvolver um entendimento mais assertivo de seus clientes. E o mercado jurídico não é exceção.
Vamos ver como os departamentos jurídicos estão utilizando estratégias e ferramentas de Data Science em seu dia a dia, quais suas aplicações e características, assim como desafios e particularidades deste mercado.
O papel da Ciência de Dados e Inteligência Artificial no setor jurídico
É possível dizer que, à medida que o setor jurídico se aprimora, mais a Ciência de Dados faz parte do dia a dia dos trabalhadores da área. Isso significa que as tecnologias utilizadas estão repletas de dados valiosos que podem ser utilizados estrategicamente para o crescimento de negócios. Para isso, desenvolvedores e profissionais da área de dados utilizam conceitos e ferramentas do campo da Ciência de Dados, que basicamente é o processo de inspeção, limpeza, transformação e modelagem desses dados para descobrir informações úteis, informar conclusões e apoiar a tomada de decisões.
Atualmente, já existem categorias inteiras de tecnologia jurídica projetadas para minerar dados públicos e corporativos para o departamento jurídico, incluindo análise de litígios, inteligência de mercado e dados operacionais e de negociação de contratos. Outro exemplo é o recente aumento na disponibilidade de APIs que fornecem a esses departamentos jurídicos acesso aos milhares e milhares de dados gerados todos os dias neste setor. Isso significa que os departamentos jurídicos estão assumindo cada vez mais o controle de seus dados, e fazer uso da Ciência de Dados neste processo é fundamental.
A tecnologia é uma ameaça ao mercado tradicional?
Essa é uma questão importante e bastante comum, que geralmente é levantada sempre que um setor do mercado começa a utilizar novas tecnologias e ferramentas de IA e Data Science em seu dia a dia. Mas, mais produtivo do que encarar essas mudanças como ameaças, é visualizar novas formas e possibilidades de realizar o trabalho jurídico.
Basicamente, a aplicação de métodos e tecnologias de análise de dados em direito é geralmente referida como “análise jurídica”. Nesse sentido, essas estratégias incluem análise de Big Data, extraindo insights de grandes volumes de dados; análise preditiva, prevendo o comportamento futuro a partir de dados existentes; e análise com Inteligência Artificial (IA), que utiliza uma tecnologia de autoaprendizagem semelhante à inteligência humana.
Apesar de essa ser uma tendência recente, com muitas empresas de direito e advocacia, ou setores jurídicos, ainda no estágio inicial da adoção dessas estratégias de dados, muitos reconhecem que este é um foco importante para o crescimento de qualquer negócio.
Em relatório divulgado pela Deloitte, a empresa previu que cerca de 100 mil funções jurídicas serão automatizadas até 2036. Isso é bastante coisa. Além disso, os últimos dois anos foram o período em que escritórios de advocacia enfrentaram essa nova realidade com mais impacto, e mesmo que esse avanço tenha sido um pouco prejudicado pela pandemia, já está mais do que na hora de departamentos jurídicos estarem preparados para incluir práticas de Ciência de Dados em seu dia a dia. Isso não significa deixar para trás tudo o que era feito até então, apenas adequar-se para uma nova realidade que pode, de fato, ser muito benéfica para o crescimento dessas empresas.
A Ciência de Dados no Setor Jurídico explicada em categorias
Atualmente, as aplicações da Data Science e IA nos departamentos jurídicos se enquadram em torno de seis categorias principais:
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Due diligence: litigantes realizam due diligence com a ajuda de ferramentas de IA para descobrir informações básicas e fazer a revisão de contratos;
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Tecnologia de previsão: uso de softwares de IA para gerar resultados que preveem o resultado do litígio;
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Análise jurídica: advogados podem usar dados de jurisprudência anterior, taxas de ganho/perda e histórico de um juiz para identificar tendências e padrões;
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Automação de documentos: escritórios de advocacia utilizam modelos de software para preencher documentos com base na entrada de dados;
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Propriedade intelectual: uso de ferramentas de IA para orientar os advogados na análise de grandes portfólios e na obtenção de insights do conteúdo;
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Faturamento eletrônico: a possibilidade de computar automaticamente as horas faturáveis dos advogados.
Do ponto de vista do cliente, o uso de Inteligência Artificial e outras ferramentas de Ciência de Dados não apenas fornece uma maior eficácia para o trabalho jurídico, mas também é capaz de criar um modelo de relacionamento mais colaborativo. Afinal, os clientes esperam que seu provedor jurídico seja competente, mas também inovador, e tenha em mãos a possibilidade de uso de novas tecnologias, que desafiem a forma como as coisas são feitas hoje, não para um confronto por si só com estes métodos, mas para realmente tornar o processo mais produtivo.
E na prática? Como a IA e a Ciência de Dados estão mudando o setor jurídico
Por fim, para entendermos um pouco mais na prática como a Ciência de Dados está de fato mudando o setor jurídico atualmente, é possível citar ferramentas existentes hoje que já estão sendo adaptadas e fazendo toda a diferença dentro desta área. Vejamos algumas delas.
Análise de risco de contratos e due diligences
É comum que advogados e especialistas em fusões passem muito tempo lendo contratos e relatórios densos e extensos. Para muitos, essa acaba sendo a parte mais “chata” do trabalho. Contudo, com o uso de ferramentas de Data Science é possível treinar modelos de Machine Learning aprimorados que extraiam partes que precisam de revisão. Nesse caso, os modelos não são treinados apenas para extrair as partes importantes, mas também para classificá-las por categoria, facilitando muito o dia a dia.
Detecção de elemento legal
Quando falamos em pesquisa em inteligência artificial, o processamento de linguagem natural é algo importante. É possível treinar modelos para analisar toda a literatura disponível na internet, mas eles entendem apenas até certo ponto como a linguagem e a informação são estruturadas. Por outro lado, o modelo BERT é capaz de responder a perguntas com base no contexto. Assim, parte do trabalho jurídico é verificar se certas condições da lei são atendidas, e o modelo BERT pode ser usado para analisar parcialmente documentos legais e verificar se isso realmente acontece.
Geração de cartas (letters)
Outra solução que vem sendo utilizada no setor jurídico é a geração de cartas (letters). Assim, questões legais de menor importância, como multas de estacionamento atraentes, podem ser automatizadas, tornando o processo mais rápido e eficiente. É o princípio da automatização, que em alguns casos não funciona tão bem, mas em outros cai como uma luva.
Resumo
Dentro da faculdade de direito, os alunos geralmente precisam decorar muita coisa. Hoje em dia, os resumos de jurisprudência estão amplamente disponíveis para aprender as normas jurídicas. Porém, uma vez que esses alunos saem deste ambiente, precisam acompanhar a nova jurisprudência que é divulgada semanalmente. Com o uso de Data Science e IA, é possível fazer uso de dois métodos para realizar uma sumarização: extrativo e abstrativo. A extrativa faz a seleção das frases mais importantes de um documento e apresenta essa seleção como o resumo. A abstrativa é a geração de um novo texto resumido que captura o núcleo do documento. Ambas são extremamente valiosas para a correria do dia a dia no departamento jurídico.
Previsão de julgamento
A previsão do julgamento legal é uma das grandes “sensações” da Inteligência Artificial no direito. Basicamente, o objetivo neste campo é prever o resultado de um processo judicial, dados os fatos do caso. Um artigo publicado pela ACL Anthology mostrou resultados promissores usando o conjunto de dados de previsão legal em inglês do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Nesse caso, o modelo treinado foi capaz de prever se um processo judicial violou ou não um artigo de direitos humanos com uma precisão de mais de 90%. Imagine o valor agregado que seria verificar rapidamente para um cliente se um caso é promissor ou não?
Automação de documentos
Departamentos jurídicos e escritórios de advocacia gastam muito tempo criando e gerenciando modelos de documentos. Com a automação de documentos, o processo fica muito mais simples, reduzindo a porcentagem de erros e economizando um tempo valioso. Hoje em dia, softwares de automação de documentos geralmente incluem algoritmos que detectam cláusulas ausentes, identificam e analisam os elementos de documentos, calculam pontuações de risco e melhoram a funcionalidade das ferramentas.
Conclusão
Por fim, foi possível perceber que existem hoje muitas ferramentas interessantes e úteis dentro da Ciência de Dados para uso no departamento jurídico. Elas têm o poder não apenas de mudar os rumos da prática de advocacia, mas também de aumentar a produtividade das empresas, diminuir erros e riscos e melhorar a satisfação do seu cliente. As ferramentas estão sendo criadas não para interromper o que era feito antes, e sim para aperfeiçoar os processos. E olhar para essas transformações por uma perspectiva positiva não é apenas muito mais produtivo, como essencial para seguir crescendo no futuro.