fbpx

O lado perigoso de ser data-driven

 


danger.png

Há uma armadilha escondida na cultura data-driven: focar tanto em métricas a ponto de perder a estratégia de vista. Neste post mostramos isso a partir de um case do setor financeiro interacional e apontamos boas práticas para uma cultura baseada em dados ser potencializadora e não “tapar o sol com a peneira”.

 

Analisar e medir dados de negócios são essenciais para o sucesso de qualquer organização. Sabemos que é impossível medir, analisar, melhorar e tomar decisões sem métricas que nos ajudem a entender nossa performance. Afinal não é possível melhorar aquilo que não se pode medir.

Aqui na Ilumeo, inclusive, defendemos a abordagem de strategy-to-metrics, que ajuda a entender os resultados de nossas estratégias, buscando usar dados para medir até mesmo objetivos mais abstratos, como melhorar a satisfação dos clientes, aumentar a relevância da marca no mercado, tornar o produto mais conhecido do público, etc.

Mas há uma armadilha escondida na cultura data-driven, que é focar tanto em métricas a ponto de perder a estratégia de vista, ou no mínimo perde-la de perspectiva. Este “lado oculto” dos dados pode ocorrer de maneira muito sutil, quase imperceptível e pode desviar o olhar das organizações do que realmente é importante e saudável para seus clientes, parceiros, colaboradores e todos os públicos com os quais se relacionam, levando a um estado de burocracia ou, mais perigoso ainda, encobrindo resultados e “tapando o sol com a peneira”.

Um desastre como exemplo

Um exemplo desse problema ocorreu na Wells Fargo, como contam Michael Harris e Bill Tayler na HBR. O caso mostra como funcionários abriram 3,5 milhões de contas de depósito e cartão de crédito sem o consentimento dos clientes, em um esforço para atingir as metas de sua estratégia de “venda cruzada”, entre outras práticas questionáveis nos ramos imobiliário e automotivo.

Os custos desse desastre quase levaram a instituição financeira à falência. Entre multas, reembolso aos clientes por taxas e ações para cobrir danos, o rombo foi superior a US$ 1,3 bilhão, além de ser impactado com a fuga em massa de clientes e ter o nome manchado no mercado norte-americano.

Um olhar mais atento sugere que a Wells Fargo nunca teve uma estratégia de venda cruzada. Havia uma métrica de venda cruzada. Em seu relatório de resultados do terceiro semestre de 2016, o banco menciona um esforço para “melhor alinhar nossa métrica de venda cruzada com nosso foco estratégico de relacionamentos bancários de varejo de longo prazo”. Logo, a organização tinha uma estratégia de construir relacionamentos de longo prazo com os clientes e a gerência pretendia acompanhar o grau em que estava atingindo o objetivo medindo a venda cruzada.

Várias explicações foram usadas para os erros da Wells Fargo. Uma teoria amplamente aceita coloca a culpa no sistema de incentivos que permitiu aos funcionários adotarem práticas de vendas ocultas, combinado com metas de vendas altíssimas e uma forte pressão para alcançá-las. Tudo isso ligado a um sistema de medição de desempenho que monitorava as atividades comerciais diárias, do nível organizacional ao individual.

Quando o banco decidiu rastrear ativamente os números diários de vendas cruzadas, os funcionários responderam racionalmente, trabalhando para maximizá-los, abrindo ilegalmente contas não autorizadas, tudo em nome do avanço da “estratégia” de venda cruzada.

Surrogation – como ocorre na prática

É comum a estratégia ser invadida por números, como na Wells Fargo. A tendência de substituir mentalmente a estratégia por métricas é chamada em inglês de surrogation [substituição] e pode destruir o valor da empresa.

Por exemplo, em uma empresa que seleciona “encantar o cliente” como objetivo estratégico e acompanha o progresso utilizando pontuações de pesquisas de satisfação de clientes, os líderes buscam dados para ilustrar o objetivo em algo concreto. Porém, de alguma forma, os funcionários começam a pensar que a estratégia é maximizar as pontuações da pesquisa de satisfação, em vez de oferecer uma ótima experiência ao cliente.  E existem várias maneiras de aumentar as pontuações enquanto os clientes não estão satisfeitos.

Surrogation é ainda mais prejudicial quando a métrica e a estratégia estão mal alinhadas. Quando o sucesso de um gerente de produção em atingir o objetivo estratégico “fabricar produtos de alta qualidade” é medido usando padrões de qualidade muito precisos (como “rolamentos de esferas devem ter 10 milímetros de diâmetro”), pode não ser um problema. Mas se o sucesso for medido pelo número de devoluções do cliente, o gerente de produção poderá encontrar maneiras criativas de evitar devoluções sem necessariamente cumprir os padrões de qualidade.

Por que isso acontece?

Dois estudos recentes – um usando máquinas de ressonância magnética para medir o fluxo sanguíneo no cérebro para entender melhor como as pessoas tomam decisões e outro usando videogames para examinar o fenômeno da substituição em um ambiente não comercial – sugerem que a prática é um viés subconsciente comum: sempre que as métricas estão presentes, as pessoas tendem a substituir.

O ganhador do prêmio Nobel Daniel Kahneman e o professor de Yale Shane Frederick postulam que são necessárias três condições para produzir essas substituições:

  1. O objetivo ou estratégia é bastante abstrato.

  2. A métrica da estratégia é concreta e óbvia.

  3. O funcionário aceita, pelo menos inconscientemente, a substituição da métrica pela estratégia.

Em artigo publicado no Medium, David Yaffe aborda que o efeito de surrogation pode ser suprimido cortando um ou mais de seus principais ingredientes:

Definir a visão certa para a empresa como líder

O caminho de crescimento de uma empresa não não deve ser composta por métricas e sim por uma visão. Ela que deve ser uma ferramenta usada pelos funcionários em seu processo de tomada de decisão para entender os tipos de decisão que eles devem ser feitas. A Amazon é um exemplo aqui, pois teve sucesso em parte porque Jeff Bezos deixou claro que o que eles estão construindo é a “maior loja do mundo” e os funcionários sabem que podem sacrificar métricas de curto prazo para atingir esse objetivo.

Métricas de sucesso individuais podem contaminar o todo

Ter uma visão bem definida facilita ajuda a garantir que os funcionários rastreiem métricas realmente importantes. E um ponto importante é que as métricas não devem estar relacionadas à promoção individual, garantindo uma visão clara do sucesso da empresa que não tenha seja contaminada por promoção direta de cargos e alavancagem de carreira.

Freios e contrapesos

Classificar sua própria lição de casa é uma boa base para determinar o desempenho, mas qualquer bom sistema tem freios e contrapesos. Os indivíduos precisam de prestação de contas, que pode ser fornecida por meio da gerência, colegas ou consumidores finais.

Envolver as pessoas na definição da estratégia

Isso ajuda a reduzir o surrogation, porque os envolvidos na execução da estratégia poderão entendê-la melhor, apesar de sua natureza abstrata – e evitar substituí-la por métricas. É particularmente crucial trazer os executivos e gerentes responsáveis pela comunicação da estratégia para esse processo.

Usar várias métricas

As pessoas substituem menos a estratégia pela métrica quando são compensadas por atingir metas em várias métricas em vez de apenas uma. Essa abordagem destaca o fato de que nenhuma métrica captura completamente a estratégia.