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Dados e Gestão de Crise: entrevista com ex-líder do Gabinete de Crise da Presidência da República

 


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Entrevistamos José Alberto Cunha Couto, ex-chefe do Gabinete de Crise da Presidência da República, e elencamos 09 aprendizados sobre a importância e a utilização de dados para traçar uma estratégia de gestão e prevenção de crises.

 

Fizemos uma entrevista com José Alberto Cunha Couto oficial da Reserva da Marinha (onde atuou por 35 anos chegando ao posto de Capitão de Mar-e-Guerra) e Doutor em Política e Estratégia Marítima. Além desses títulos, ele carrega na bagagem a vasta experiência de chefiar durante 13 anos o Gabinete de Crises da Presidência da República, atuando nos governos FHC, Lula e Dilma.

Aos 72 anos de vida, é co-autor do livro “Gabinete de Crises – Histórias reais FHC – Lula – Dilma”, onde conta uma porção de histórias e episódios dos bastidores do Governo (as possíveis de contar ao público, pelo menos).

Confira abaixo os principais trechos de sua entrevista à Ilumeo:


José Alberto Cunha Couto (E) em entrevista com Felipe Senise e Rodrigo Chernhak da Ilumeo

José Alberto Cunha Couto (E) em entrevista com Felipe Senise e Rodrigo Chernhak da Ilumeo


A criação do Gabinete de Crise


Nas palavras de Cunha Couto, o chamado Gabinete de Crise foi criado em 1998, quando

“houve um grande incêndio florestal em Roraima que começou a se dirigir para terras indígenas Yanomami. Houve grande caldo da mídia internacional e antes que o governo se organizasse para chegar em Roraima, os bombeiros de Buenos Aires já estavam lá apagando o incêndio. Dessa experiência ocorreu o nascimento do Gabinete de Crise. Mais tarde, em 2003, ocorreu o mesmo incêndio novamente e aí o Gabinete já estava preparado e articulado. Preparamos 500 bombeiros em Brasília para combater fogo em todo o Brasil”.

Das experiências de Cunha Couto, selecionamos 09 aprendizados com foco em dados para a gestão de crise:

1) Equipe multi profissional

O Gabinete de Crise era formado por cerca de 20 pessoas, de diferentes especialidades, o que comprova a eficácia de uma equipe multiprofissional atuando em conjunto e somando conhecimentos para responder melhor a situações complexas.

Eram militares, engenheiros, bombeiros, policiais, oficiais da Abin (Agência Brasileira de Inteligência Nacional), sociólogos… O trabalho dependia muito da articulação com outros setores. Em um governo que tem 30 ministérios, para qualquer situação você vai ter que juntar para solução dessa crise em torno de 15 ministérios. Você cria parcerias e redes para ajudar a resolver a crise. Se você só têm militares, por exemplo, a sua visão da crise vai ser militar. Se não tiver outras visões você fica míope e não vai resolver a causa. A multissetorialidade te dá sugestões novas, ideias novas e dados novos que vão contribuir para a resolução do contexto”.

2) O sucesso é prevenir, não gerir a crise

O Gabinete de Crise monitorava entre 50 e 54 temas com potencial de gerar crises no Brasil. A média anual era que 7 ou 8 desses temas realmente estouravam em crises a serem gerenciadas.

“A missão principal do Gabinete de Crise é prevenir a crise. Gerenciar a crise é quando o Gabinete falha. Se ele não conseguiu prevenir, ele precisa gerenciar essa crise.”

A grande lição aqui é antecipar, ser proativo para identificar gargalos e atacá-los antes que virem, de fato, um problema.

 

3) Usar dados para antecipar um cenário de crise

A busca por antecipar cenários de riscos passa por ter acesso a dados que possam ajudar a mapear possíveis sinais de alerta e ajudam a tomar decisões de intervenção antecipadamente.

“Toda situação de crise não nasce de repente. É um diferencial importante você ter os dados e transformar ele em conhecimento para utilizar no dia a dia de trabalho. Outro ponto importante é acompanhar o tema porque ao longo do tempo esse dado sofre alterações. O mesmo problema, um ano depois, se aplicar a mesma solução não se resolve. Nesse intervalo, o contexto mudou e é preciso perceber isso ao aplicar esse conhecimento na solução da crise.”

4) Atenção à coleta de dados

Uma parte importante do processo da Gestão e Estratégia de Dados é ter informações corretas, de fontes seguras e que representam a realidade em que se atua. Fazer um esforço a mais para ter acesso a dados confiáveis pode fazer toda a diferença nos passos seguintes;

“Em 2001 passamos por uma crise energética. O que era importante como dado, naquele momento, era o nível de água dos reservatórios das usinas hidrelétricas. Com essa informação, nós trabalhávamos para saber se as cosias estavam sob controle ou se teríamos que acionar um plano emergencial para todo país. Esse dado era vital. Quando a Presidência pede informações a órgãos, estados ou municípios, o retorno é sempre catastrófico ou benevolente. Os extremos estão sempre presentes. Para ter um dado perfeito, pedimos à Abin que usasse seus analistas para entrar nos reservatórios e ler a medida daquela régua que media o nível da água. Uma coisa simples, mas foi uma confusão, porque o pessoal se imaginando um 007 não entendeu a grandeza daquela missão, mas aquele dado era o número que íamos confiar para tomar a decisão”.

5) Dados são a base de tudo, mas…

Um ponto crucial é a forma como os dados transitam dentro da organização e como chegam às pessoas corretas. Ter uma enorme quantidade de dados é ótimo, mas não resolve nada sozinho. O fluxo da informação precisa chegar ao nível estratégico e não ficar retido apenas na parte operacional.

“Dados são a base de tudo. O cuidado é como transformar esses dados e informações em um conhecimento que seja útil para tomada de decisão e no nível correto de decisor. Às vezes estamos com dados no nível operacional e não conseguimos fazer o conhecimento gerado pelos dados chegar para o decisor que está em nível estratégico. Isso vai dificultar muito a tomada de decisão. Um exemplo: você tem uma manifestação de rua aqui em São Paulo. Ela é pacífica e tem um agrupamento de policiais acompanhando e de repente a coisa desanda. Você tem infiltrados que começam a gerar quebra-quebra e violência e quem está no local pede apoio policial. Você tem o centro operacional da polícia e ele resolve agregar mais policiais para conter aquela manifestação. Se aquilo volta a perder o controle, vão pedir apoio do Bope, que tem um treinamento de violência muito maior. O Bope geralmente é autorizado pelo governador. Se essa solicitação chega ao governador sem passar pelo tratamento de nível estratégico, ele vai autorizar em uma decisão diretamente operacional, sem pensar nos aspectos estratégicos daquela decisão. Aí é que é importante a gente entender o tratamento dos dados nessa crise”.


6)
 Usar dados para fazer projeções

Em nível estratégico, ter acesso aos dados vai fazer sentido e gerar resultado prático se for desenvolvido um trabalho de inteligência em cima. Projetar diferentes cenários futuros de acordo com as possibilidades de mudança da situação atual é um dos pontos que podem ser amparados em dados.

“Os dados ajudam a pegar toda a estrutura atual e projetar no máximo até 5 anos. Quando houve a invasão dos Estados Unidos no Iraque, nós com a Petrobrás e o Ministério de Minas e Energia, tivemos que trabalhar três cenários de curto-prazo (em relação à economia e o consumo de combustíveis, uma vez que o Iraque é um grande produtor mundial de petróleo). Até três meses daquela invasão a Petrobras seguraria as pontas aqui no Brasil, de três a seis meses já ligaria um sinal amarelo de preocupação e acima de seis meses nós teríamos que fazer realmente um rodízio de carros ou coisas assim para fazer frente àquela crise.”

7) Se basear em experiências anteriores

Cunha Couto recomenda utilizar aprendizados de experiências anteriores para gerenciar crises, se for possível. Se bem documentado, esse tipo de aprendizado pode fazer toda a diferença na tomada de decisão e resolução da crise.

“Agora temos essa crise gerada pela Covid. Antes, tivemos exemplo da gripe H1N1. Agora, a velocidade de transmissão do novo coronavírus foi bastante rápida, saiu derrubando tudo, especialmente os mercados internacionais que vieram abaixo, mesmo que aqui no Brasil tenha chegado depois e tenha se espalhado pela Ásia, Europa e Estados Unidos antes de descer até aqui. Outra experiência que tive semelhante ao que ocorre hoje foi quando recebemos a informação de uma nuvem de gafanhotos que viria do Senegal, cruzaria o Atlântico e chegaria à costa Norte e Nordeste do país. A solução que propusemos foi ofertarmos para o Senegal um avião de inseticida de agricultura para matar a crise na fonte, lá no Senegal. Foi uma experiência com uma resolução relativamente simples. E agora estamos vivendo a nuvem de gafanhotos no Sul, aparentemente parada na Argentina. Vejo que uma solução seria essa: deslocar todos os nossos aviões possíveis para combater os insetos, pulverizando o inseticida naquela região para fazer um muro de contenção.”

8) Gestão de Crise pública ou privada

Os episódios vividos por Cunha Couto são essencialmente voltados ao governo e ao setor público, mas podem servir de exemplos também dentro de organizações privadas, adaptando-se ao contexto.

“A diferença entre crises no setor público e privado podem ser na escala, mas a metodologia de Gestão de Crise se aplica tanto no público quanto no privado. No público as decisões têm impacto de dimensão nacional, que implica em comportamentos diferenciados da população e vai mexer no destino e vida das pessoas, enquanto no privado você tem um objetivo mais concreto e vai influencias várias pessoas e instituições em torno do objetivo concreto, mas a metodologia se aplica em ambos.”

9) Foco nas pessoas

Apesar de destacar a importância dos dados, Cunha Couto compartilha o aprendizado de que o mais importante são as pessoas envolvidas nos processos e beneficiadas pelas ações de gestão de crise.

“Há empresas que estão ajudando parceiros e fornecedores para que juntos saiam da crise. É fundamental fazer um elo de confiança e ajuda e isso é uma solução, nos ajudarmos uns aos outros. É ser humano. Ter esse lado bom no coração, entender o lado dos outros, as instituições entenderem o lado das instituições que estão do outro lado. Sem ajuda mútua, vamos descer um nível todo em desigualdade nessa crise (da Covid-19). Há um lado humano por trás de toda a crise”.

Para servir como guia e lançar insights para ajudar empresas a lidarem com a crise atual, a Ilumeo produziu o estudo “Data Strategy – Gestão Data Driven na Crise”, que você pode acessar gratuitamente.