ILUSÃO DE DIFERENCIAL DA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Um exemplo prático de foco em otimização interna sem mudança na experiência do usuário é visto em muitas fintechs. A cada mês surgem novas fintechs se propondo a resolver problemas dos clientes. Atualmente, existem 500 fintechs no Brasil. Será que existe uma quantidade tão grande de problemas a serem resolvidos? Não. Na verdade, a baixa barreira de entrada, tecnologia disponível e a ilusão de diferencial da A.I. impulsionam esse movimento.
Por ser uma consultoria de Data Science que atende empresas do setor financeiros e seguros, muitas fintechs acabam procurando a ILUMEO.
Nas reuniões dos os diretores ou fundadores, minha primeira pergunta é:
– Qual seu diferencial?
– Inteligência artificial está no core da empresa. Usamos A.I. desde o dia número 1.
Correndo o risco de soar indelicado, eu repito a pergunta:
– Mas qual é o seu diferencial?
Quem dá essa resposta normalmente está pensando em mecanismos de A.I para tornar a operação mais eficaz: análises de risco de crédito, propensão à inadimplência, propensão a cross sell ou upsell, clusters mais inclinados a determinada oferta, modelos de identificação de anomalias e fraudes, etc. Tudo isso é muito importante e de vanguarda. Porém, nada disso impacta diretamente a experiência do cliente.
É impressionante como muita gente se ilude achando que o fato de ter esses mecanismos de A.I, big data e data science é diferencial em si. É ingênuo achar que os grades bancos não usam A.I. Quase todos têm. E quem não tem, está correndo atrás do prejuízo.
Vários exemplos mostram como a Inteligência Artificia pode ser usada de forma criativa. E, principalmente, impactar de forma positiva a experiência do consumidor final. Abaixo, cito alguns exemplos que já ocorrem no mercado e outros que são ideias próprias, mas ainda não foram implementadas
EDUCAÇÃO (EAD)
No mercado da educação, podemos olhar para o ensino à distância. Atualmente, a forma mais comum de medir o churn é analisando os dados demográficos (renda, idade, emprego formal, CEP) e comportamentais dos alunos (notas, pagamento da mensalidade, frequência nas aulas). Na ILUMEO, em parceria com a NeurUX, complementamos a predição do churn desse serviço a partir das expressões faciais do aluno ao assistir as vídeo aulas. A cada milissegundo o algoritmo captura, processa e analisa as imagens para identificar alteração nas expressões e a sua conexão com o conteúdo. A hipótese é a seguinte: pode haver algo no conteúdo ou na forma como o EAD é apresentado que aumenta ou reduz a probabilidade de evasão.
Assim, caso o aluno de EAD autorize que seu rosto seja filmado pela webcam durante a aula (termos e condições de opt in), o sistema de A.I começa a aprender com as suas reações. Com a vantagem de ser um método que identifica possibilidades de melhoria de conteúdo durante a jornada do aluno – não uma análise post-mortem. É um exemplo simples que mostra como a instituição pode ser beneficiar e alunos também, na medida em que os pontos de dor deles em relação ao conteúdo podem ser revistos para melhorar a experiência e aumentar o engajamento com as disciplinas.
COMPANHIAS AÉREAS
As companhias aéreas já usam inteligência artificial para otimizar questões core de sua operação: precificação, relação entre operação/atrasos com a disponibilidade de equipe e chatbot para atender clientes. Isso tudo se encaixa no mindset de usar A.I. para ter ganhos incrementais de otimização naqueles aspectos que importam muito para a empresa e pouco aos clientes.
Imagine o seguinte projeto. Uma companhia aérea cria um sistema de A.I. que tem o objetivo de gerar tranquilidade e previsibilidade para os clientes que viajam a negócios. Na prática, uma das funcionalidades seria sugerir ao cliente que ele saia mais cedo para não perder seu embarque. A pessoa receberia uma mensagem no celular ou ligação de assistente de voz dizendo:
Embora isso não afete diretamente a empresa do ponto de vista operacional e financeiro, certamente agregará valor à sua experiência de viagem.
É interessante olhar como as empresas podem buscar o caminho extremamente oposto: implementar algoritmos para focar somente no que traz benefício financeiro de curto prazo e esquecer da experiência do cliente. Esse foi o caso da Ryanair, que foi acusada de usar algoritmos para separar as famílias em assentos distantes, a fim de motivar upgrade de escolha de assento.
Nem é preciso dizer o tamanho da repercussão negativa que isso gerou. Aqui, existe um aprendizado muito claro. Se a experiência do cliente é colocada em primeiro lugar, dificilmente um brainstorm de projetos de inteligência artificial chegaria a um caminho tão errado.
ELETRODOMÉSTICOS
Quando se pensa em produtos, os principais exemplos aplicações de I.A normalmente estão em indústrias de tecnologia (celular, assistentes virtuais). Mas, há outras categorias que estão menos no radar da mídia e serão transformadoras. Eletrodomésticos é uma categoria que ilustra esse cenário.
Imagine esse projeto. Uma marca de geladeira decide adotar como princípio de sua inteligência incentivar seus usuários a ter uma alimentação mais saudável. Então, por meio da medição do peso das prateleiras em conjunto com fotos ou vídeos capturados de dentro do aparelho, o sistema faz indicações sobre a necessidade de comprar uma quantidade maior de verduras para se ter uma alimentação balanceada.
Por outro lado, a empresa pode definir que o princípio da sua inteligência é a otimização de faturamento por ser uma tecnologia que faz o meio campo entre consumidores, supermercados e empresas de alimentação. Assim, uma ideia possível seria criar um leilão em tempo real, para que várias empresas ofereçam lances para comprar espaço de propaganda ou conteúdo na tela das TVs inteligentes. Nesse caso, não necessariamente produtos pouco saudáveis e perigosos para a saúde das pessoas poderão ganhar o leilão e aparecer na tela.
A diferença entre os dois cenários está relacionada à estratégia adotada pela empresa. Ela pode focar em seus valores e prezar pelo relacionamento com o cliente, buscando uma sociedade saudável no longo prazo. Ou pode no curto-prazismo e achar mais vantajoso entrar no mercado de advertising, gerando uma nova linha de receita. Vale ressaltar que não há certo ou errado nessa situação. O importante é pensar nos princípios e na estratégia antes de pensar na tecnologia e em Data Science.
BANCOS
Algumas empresas já estão desenvolvendo algoritmos e sistemas automatizados para evitar perda financeira com processos judiciais. Quando um cliente liga reclamando sobre algum problema, o algoritmo calcula de forma automatizada qual é a probabilidade de esse caso gerar um processo judicial e perda financeira.
A lógica prevê a construção de um banco de dados que organize os resultados dos processos a partir de cada uma das suas variáveis independentes (preditoras) como o tipo de reclamação, perfil de quem está processando, estado/cidade, comarca, juiz, características do juiz etc. E, claro, às variáveis (de resultado) relacionadas a cada processo (ganho/perda e valor da indenização). Tendo um banco de dados organizado dessa forma e fazendo a carga de dados de uma série histórica consistente, é possível encontrar padrões que indicam a probabilidade de ganho ou perda e o tamanho provável do desembolso financeiro em caso de perda para a empresa processada. No limite, é possível até analisar em tempo real o tom de voz da pessoa que está reclamando – se está mais exaltada pode ser um sinal de aumento de probabilidade de processo. Assim, quando o problema citado for acidente, o sistema consegue dar uma orientação ao atendente sobre como prosseguir com o atendimento à determinada pessoa.
Esse tipo de solução já existe. Pode ser usada tanto para melhorar as experiências dos clientes ou com o objetivo de só atender pessoas que apresentações riscos altos de gerar prejuízos à empresa. Essa é a grande questão: os projetos de I.A não têm a tecnologia um a priori de princípios, sendo necessário que isso seja definido na estratégia
BELEZA
O segmento de beleza também está revolucionando a forma de utilizar a ciência de dados com foco na experiência do cliente. Recentemente, empresas passaram a permitir os consumidores respondam as características de seus cabelos a partir de um site. A partir de simulações de milhões de possibilidades, criam um shampoo exclusivo e personalizado para as necessidades de cada cliente. É o caso da MeuQ no Brasil.
Apesar de iniciar o processo por meio de declarações da própria pessoa, a ultra personalização do produto vai além. Atualmente, há wearables em forma de adesivos para pele (UV patch) ou pingentes que identificam o nível de intensidade solar ao qual a pessoa está sendo exposta. Com isso, seria possível ajustar no mês seguinte o shampoo que será produzido e enviado a esse consumidor, para se adequar não só ao seu perfil da consumidora, mas também à mudança de suas necessidades ao longo do tempo.